NALDOVELHO

ESPAÇO DEDICADO A POESIA

segunda-feira, janeiro 22, 2007

BEIJOS MOLHADOS


Arte: Bruno Di Maio
NALDOVELHO

Beijos molhados, lambuzados de orvalho,
minhas mãos em seus seios,
minhas pernas entrelaçadas,
com suas pernas embaralhadas.
A respiração ofegante,
o gosto de vinho, tinto e rascante,
janelas abertas, é tão doce o pecado.

Rasgar sua blusa, libertar os seus seios,
espremê-los de anseios.
O seu ventre suado é chama que aquece.
O seu cheiro, o seu cheiro...
Embriaga e enlouquece.
A lua enxerida espiona, é claro!

Abafar seus gemidos, ocupar os espaços,
é tão forte o abraço.
Olhar nos seus olhos, perceber o delírio,
perceber as narinas dilatadas, desejos...
Deixar gravado em seu corpo
minhas marcas, meu nome;
nos seus ouvidos, segredos,
coisas bem indecentes.

Uma parte de você diz não!
Mas a outra se entrega,
não nega que gosta de me sentir abusado
por todos os cantos e lados.
Pois eu sou o veneno que alimenta o seu corpo,
pois sou eu quem sacia
a sua inquietude tamanha,
pois só assim você sossega,
adormece, sonha e esquece a dor.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

ESPELHO



NALDOVELHO

No espelho vejo marcas,
linhas gastas, cicatrizes,
cabelos brancos, bem curtinhos,
barba rala, já grisalha,
olhos tristes, marejados,
algum vestígio de coragem,
lábios finos, ressecados,
um sorriso disfarçado
e a peçonha gotejando.
O veneno ainda atua,
apesar dos muitos anos.
Vejo mãos já calejadas
pela lida do caminho,
por “semeios”, por espinhos,
por colheitas, por escolhas,
parte delas equivocadas,
pelas perdas, foram tantas,
pelos ganhos que eu preservo,
pelos sonhos, ainda os tenho.
No espelho vejo um homem,
meio tolo, um poeta
que ainda teima e faz planos,
que acredita em gnomos,
feiticeiras e sereias
e traz no corpo tatuagem
feita em tempos de tormenta,
um desmanche de feitiço,
foi mordida de serpente,
vez por outra ainda sangra
e na saudade ainda inflama,
nunca mais cicatrizou.

ODE AO PRAZER



NALDOVELHO

Minha boca, sua boca,
lábios calados, molhados,
línguas trocadas, mãos ocupadas,
caminhos diversos operam milagres.
As minhas em seus seios,
as suas mais ousadas.

Onde estarão minhas pernas?
Serão estas as suas pernas?

Um impulso incontido de procurar um abrigo,
um buraco, um fenda, uma greta, o perigo.
Um desejo confesso de me afogar em seu colo.
Não são palavras, são grunhidos!

Lentamente eu me exponho, desafio a peçonha,
desobedeço a fronteira, só para ficar impregnado
e reter em mim o seu cheiro.

Quero me redimir no pecado da adoração ao seu cio,
quero renunciar as cobertas, ao escudo e a armadura,
quero ficar desprotegido e aninhado em seus seios.

Quero o desatino do orvalho que brota
dos seus mais noturnos recantos,
quero a vergonha de lado, pois já nem sei mais
de que lado eu devo ficar?

Se do lado de fora a saborear os detalhes,
se do lado de dentro entranhado em você.

AOS POETAS



NALDOVELHO

Não reconheço o poeta que não tenha arestas, que não tenha vivido os contrastes e que não tenha em sua bagagem muitas histórias, boa parte delas mal comportadas, mal resolvidas e, às vezes até, inacabadas...

Não reconheço o poeta que não tenha espinhos, muitas farpas e cacos espetados por todo o corpo, feridas mal cicatrizadas, cortes, desgostos que sangram toda vez que alguém toca, e que vez por outra ardem, doem...

Não reconheço o poeta que tenha perdido a coragem de tentar sempre outra vez, outra vez, e mais outra vez... Apesar de saber que vai voltar a arder, a sangrar e a doer.

Não reconheço o poeta que não tenha vivido um drama, que não tenha se envolvido numa trama, que não tenha dobrado muitas esquinas ou que tenha como trajetória uma reta e longa linha, que não tenha sobrevivido a um feitiço, que não tenha se perdido em desvios, em atalhos, que não tenha caído em muitos buracos, ribanceiras, que não tenha arranhado todo o corpo e por força das suas incertezas, não seja meio labirinto, meio esfinge, meio esboço.

Não reconheço o poeta que não tenha praguejado, que na perda não tenha chorado, que no desencontro não tenha se lamentado. Podia ter sido tão bom!

Não reconheço o poeta sem pecado, que não tenha caminhado errado, que não tenha se enganado, ou não tenha sido enganado, que não tenha dormido em alguma cama estranha em busca de um outro sabor. Se não dormiu, sonhou ou então desejou!

Não reconheço o poeta que não tenha uma sombra, um fantasma, um arrependimento, frutos de um dissabor ou de um constrangimento; que seja sem conflitos, sem desgastes, sem atritos.

Não reconheço um poeta que não seja indecente, que não tenha uma boa quantidade de veneno escorrendo dos seus lábios ou guardado entre os dentes, que seja bem comportado, bem resolvido, em paz, harmonizado, que viva em plenitude, que seja feliz, sem ser hipócrita, pois todo o poeta é um louco, um buscador que se alimenta da vida, todo o poeta é o “antinirvana” e ele é como é, e ainda bem que assim é!

Aqueles que são poetas entenderão, aqueles que fingem, contestarão. De qualquer maneira peço licença para que eu possa passar com a minha loucura. Quero assim poder continuar semeando a busca pela compreensão.

LONGE DE VOCÊ



NALDOVELHO

Longe de você
todos os dias serão nublados,
as manhãs cinzentas,
as tardes sonolentas
e as noites chuvosas
com madrugadas barulhentas
que é para não se conciliar
a insônia com o sono,
e ao amanhecer com olheiras
ficar patente o abandono
que o poeta costuma viver.

Longe de você a fumaça do cigarro
se mistura com a poluição do ambiente
e o pulmão reclama doente
por conta de um respirar afrontado
e do bater de um coração acelerado
que só faz viver desanimado
por não querer mais sofrer.

Longe de você
todo o amanhã será passado
e passará assim tão calado
que não dará a perceber
aquilo que eu tinha pra viver.

Longe de você
o que eu como não saboreio,
o que eu bebo se faz amargo,
e o que eu cheiro, rejeito enjoado,
e me dá um fastio danado,
coisas de um apaixonado,
desses que dá dó de se ver.

Longe de você
o violão se cala desafinado,
a poesia perde o encanto e a magia
do novo, do surreal, do inusitado
e o que se vê é só lamento, é solidão,
é desentranhamento,
de viver tentando um remédio,
uma vacina, um antídoto
para o tédio de viver sem você.

Longe de você
eu já não quero saber de outra dança,
se alguém convida, eu recuso!
Digo que estou cansado,
peço licença e saio apressado,
volto para o meu quarto tão frio,
e deito, assim solitário,
pedindo a Deus para parar de doer.

HÁ UM LUGAR



NALDOVELHO

Há um lugar
onde todos os gatos são pardos,
todos os beijos amargos
e um bolero tristemente arrastado
a emoldurar o cenário.
Por lá servem dá mais pura aguardente
e todos os colos são quentes.
Sangue, suor e saliva
a compor pesadamente o ambiente.

Há um lugar
onde portas e janelas vivem trancadas,
e, ainda assim, as pessoas não percebem
que o ar saturado vicia
e nem o tamanho do estrago.
Por lá todo veneno goteja,
e as células do meu corpo contaminadas,
e a morte, a arrumar minhas malas,
diz: hora de partir!

Há um lugar
onde minhas feridas serão tratadas,
minha inquietude apaziguada,
e nada será como era antes,
pois se eu não me engano:
sêmen e semente trarão redenção ao pecado
e o ventre de uma mulher amada
há de me acolher.

MINHA NATUREZA



NALDOVELHO

Minha natureza é a imensidão
e em minhas entranhas carrego:
imagens estranhas, metáforas,
palavras acasaladas insanas,
música visceral e profana,
dormentes de trilho, caminho,
inquietude da alma, espinhos,
sementes de trigo, moinhos...
E muita inspiração.

Gosto de caminhar pelas incertezas
das madrugadas insones e frias,
gosto do cigarro fumado sem pressa
e do mundo orvalhado lá fora
num amanhecer que não demora
a colocar ordem na casa...
Não sei bem por quê?
Tenho muito sono de manhã.

Minha sina é a de ser buscador de fronteiras,
cordilheiras, passagens, verdades
e nos desgaste das rochas ao vento
sou forja rebelde, viagem.
Sou também encontro das águas,
enchente, fruto maduro, reconheço!
Mas a esperança persiste nos olhos,
sem que eu saiba ao menos por quê.

Meus versos brotam sempre repletos:
notícias, cantigas, lamentos,
que curam dor de constrangimento
e aliviam o fardo pesado
das heranças que eu trago comigo.
E a cada poema um lenitivo
para que eu possa estar sempre renovado,
e assim sendo, a cada passo,
reescrever meu destino.