NALDOVELHO

ESPAÇO DEDICADO A POESIA

segunda-feira, julho 31, 2006

O QUE DEFENDES?


NALDOVELHO

Defendo a compaixão no coração do homem e a fraternidade como moeda verdade, o entendimento como meta incessante e a caridade como luz no horizonte.

Defendo mãos dadas e abraço apertado, nós desatados na imensidão dos meus sonhos e fios desembaraçados tecendo caminhos.

Defendo rios, florestas, campinas, montanhas, planaltos e mares.

Defendo o direito, não importa a escolha, e o caminho, não importa o destino.

Defendo o alimento a matar toda a fome e águas jorrando, saciar toda a sede.

Defendo a dor que redime o pecado no ventre daquela que nos doou seu carinho.

Defendo o sangue que corre em nossas veias, não importa a raça, o credo ou o idioma.

Defendo a possibilidade de desfazer o mal feito, transformando o inimigo num novo amigo.

Defendo a esperança, a cura, a bonança, defendo a mão que semeia o trigo. Valei-me Deus! Um futuro melhor.

Só não defendo o forte espoliando o mais fraco, nem a lâmina afiada derramando sangue.

Só não defendo o ódio, o preconceito, a ofensa a pessoas inocentes, injustas sentenças, arbitradas por quem quebrou seus espelhos, não consegue olhar em seus próprios olhos, não consegue perceber no que se transformou.

E agora me responda: o que defendes?

POETA CONFESSO


NALDOVELHO

É no caminhar incessante
por estradas rochosas distantes,
por acidentados e estreitos atalhos,
que eu construo os poemas que eu tento.
É na insônia intrusa e insistente
das madrugadas que eu sinto tão frias,
que eu colho as sementes que eu sonho
dos versos que eu teimo e proponho.
É lá dentro em minhas entranhas
que eu macero as palavras que eu tenho,
faz tanto tempo que eu as trago guardadas
em salmoura no silêncio dos meus ais.
É no parimento de tantos poemas
que eu exorcizo sentimentos antigos
e absolvo o homem que eu penso,
capaz de amar muito mais.

domingo, julho 30, 2006

DESASSOSSEGO PASSOU POR AQUI!


NALDOVELHO

Por aqui, só a danada da paixão que insiste em criar redemoinhos, semear ventanias e disseminar poesia. E sempre, sempre, acompanhada de tremor nas pernas, suor nas mãos e lágrima indecisa no canto dos olhos.

Tanto destrambelhamento, por conta de um coração descuidado que vive a trilhar caminhos estranhos, que cisma em deixar aberta a janela, que se recusa a afastar-se da magia e teima em se embaraçar nas teias que a vida costuma engendrar. E isso tudo sem abrir mão das lembranças... Pele macia, seios fartos, vinho branco e licoroso nos lábios, vinho tinto e rascante na mente.

E o teu cheiro, ainda o sinto, em meus dedos, e o teu perfume, ainda domina o ambiente, e a tua imagem ainda assombra os meus sonhos: suor correndo entre os seios, e em cada seio eu me acabo, e brinco atrevido em teu colo, e em teus lábios, ambos, me atrevo... Saliva trocada embriaga, atiça, sacia, vicia. Tuas pernas teimam e, permanecem enlaçadas às minhas trêmulas pernas, coitadas! E as sardas? Quantas... Tantas... Doce tormento!

Olhos nos olhos, eu confesso: nada mudou por aqui. Ainda és a dona dos meus versos e por mais que eu tente, não consigo encontrar um antídoto, um remédio que cure a paixão descabida que queima por dentro o poeta, que colheu em teu corpo um adágio: DESASSOSSEGO PASSOU POR AQUI!

OFERENDA DE VERSOS



NALDOVELHO

Se espalhas sementes por onde passas,
eu colho vivências, esperanças esparsas.
Se concretizas o sonho, o reencontro, o abraço,
eu construo distâncias por tudo que faço.
Se trazes tesouros, preciosas essências,
eu tenho quase nada, além de carências.
Se tens um sorriso sempre aceso nos olhos,
eu tenho em meus olhos saudades que choro.
Se vais abraçada a essa gente irmã,
eu tenho a loucura das solitárias manhãs.
E ainda que digas que conheces meus passos,
que tens o remédio pra curar-me o cansaço,
confuso é o caminho, reescrever meu destino,
distante é a foz, corredeiras sem tino.
Pois sou ventania que varre inquieta,
acidentado caminho, escolha incerta,
moinho de vento que venta ao contrário
e da poesia que ouso, fiel relicário.
Senhora dos tempos, da fé que eu professo,
oferenda de versos que eu construo confessos,
abençoa o caminho que eu vivo e vivi.
Quem sabe o amor possa ser meu porvir?

LUGAR NENHUM PRA CHEGAR


NALDOVELHO

No cais um navio, chegou faz um tempo. A campainha da porta há tempos não toca e o telefone quando toca: desculpe, é engano! Nas esquinas: muita pressa, poucos sonhos, muito medo, pouca conversa e o navio no cais permanece ancorado, quieto, em silêncio.

Da janela percebo o outono, mês de março, abandono, pássaros em debandada, prenúncio de chuva, vento varrendo a cidade, trânsito engarrafado, e o sinal demora, quando fechado; ônibus lotado, e aqui em meu quarto: apreensão! No cais o navio, ainda ancorado.

Ligo a televisão e as notícias que chegam já não causam espanto, mas ainda assim doem! Crianças marginalizadas, prostituídas, de arma em punho, soldados indigentes de uma guerra sem escolha, sete corpos encontrados e quatro deles nem tinham quinze anos! E o navio no cais, ancorado, sem sinal de partida, nada que explique a demora.

Aqui em meu peito a dor de saber o quanto somos coniventes, o quanto somos responsáveis por ação ou omissão, por termos permitido que nos pusessem à deriva, por termos aceitado a merda desse navio ancorado, em silêncio, nada que justifique tanta passividade. Resultado: nenhuma novidade no cais!

Anoitece, agora chove, e dos longes mais notícias... Parece que as coisas por lá, também, não andam nada boas. Guerra, fome, desrespeito a natureza, risco de epidemia cada vez mais presente e as pessoas ancoradas, já tem um bom tempo, em silêncio.

Pego um livro de poesia e leio a dor de uma partida: o poeta se fez de louco enclausurado em seu quarto, nostalgia sem tamanho, mazelas de um coração. Quanta beleza ainda encontro nas palavras de um tolo, de um bardo sem consolo que se alimenta da ilusão.

No cais a multidão se aglomera, ora a Deus por um sinal, que o navio parta bem depressa... Mas o navio permanece ancorado, impossibilitado de navegar, já faz tanto tempo, sem comando, não tem rumo, lugar nenhum pra chegar.

COISAS QUE EU GOSTO



NALDOVELHO

Gosto de cheiro de terra molhada de chuva,
de tardes de outono, de vento varrendo
as folhas, as ruas e eu na sacada
sentindo em meu corpo a carícia precisa
da saudade que bate, saudade de você.
Gosto de beira de praia, maresia suave
envolvendo o meu corpo e o vento trazendo
o barulho das águas a fustigar o rochedo
e uma certa nostalgia a tomar conta do lugar.
Gosto de noites de lua, desertas as ruas,
noites claras de maio, vinho tinto e rascante
bebido sem pressa, madrugada se apressa
e chega pra uma conversa, vem me contar de você.
Gosto de café bem forte, cigarrilha cubana,
Piazzolla num tango e a um poema eu me entranho,
só para ver se consigo materializar sentimentos,
revelar meus segredos... Quem sabe você entende?
Gosto de dormir até tarde, da preguiça que invade
minha cama, meu quarto, travesseiro macio
lembra seu peito, tão tenro, tão cálido.
Suas pernas enlaçadas, encaixadas às minhas
e um torpor toma conta, num raro e especial prazer.



sábado, julho 29, 2006

LUA NUBLADA



NALDOVELHO

Lua nublada?

Vez em quando aparece,
quase sempre se esconde.
Madrugada de outono,
onde o silêncio enlouquece
e a cidade nem dá conta
de como é feio o abandono.
Ruas desertas, esquinas vazias,
portas e janelas fechadas
e alguns poucos carros
passam e não param.
Ainda existe o orvalho,
tipo lágrima discreta.
Ainda existe a espera,
coisa estranha e inquieta.
Lua nublada?
Já foi cheia e exibida
lá dentro do meu quarto,
já dançou noites de insônia,
bebeu todo o meu absinto,
fez juras de amor eterno
e depois minguou.
Hoje é só nublada:
vez em quanto aparece,
quase sempre se esconde.

NOTÍCIA DE ONTEM



NALDOVELHO

Pedras postas nas margens da estrada
delimitam caminhos, definem trajetórias,
impedem mudanças de rumos, destinos,
empobrecem a história de cada um de nós.
Janelas fechadas por trincos, tramelas,
cerceiam a luz, aprisionam o ar
saturado aqui dentro,
sufocam a vida, desmaiadas as cores,
penumbras, sussurros, não posso respirar!
O limo das pedras, o mofo das coisas,
a ausência do vento, do verbo, do tempo,
as notícias de ontem, o café requentado,
a comida estragada, esquecida no forno,
um monte de roupas amontoadas num canto,
as rosas murcharam, o telefone não toca,
tuas cartas largadas em cima da mesa,
poemas rascunhados, solidão e tristeza,
a televisão ligada, já vi este filme,
no final o mocinho morre de amor.
A mocinha, coitada, viajou pra bem longe,
não sabe qual é o novo endereço,
não sabe do limo, da pedra e das rosas,
não sabe do filme, do enredo, das sombras,
virou pé de vento, rompeu as fronteiras,
fiz tantas besteiras, tranquei-me num quarto,
virei um poeta das coisas que eu choro,
café requentado, notícia de ontem,
coberto de limo, sou pedra, sou rosa,
ressecadas as pétalas, ainda restam os espinhos.

DAS POSSIBILIDADES



NALDOVELHO

É possível quê, qualquer dia desses, eu vá até Índia, e lá estando, purifique o meu corpo no Ganges. Depois: vá conhecer o Taj Mahal e, finalmente, num templo budista, devidamente incensado, consiga elevar de vez minha alma e atingir o tão falado Nirvana.

É possível quê, nesse mesmo instante, do outro lado do oceano, alguém esteja a dizer: quantas besteiras fizemos! Poderia ter sido diferente.

É possível quê na minha volta ao Brasil, quando a caminhar pelas ruas da cidade, eu morra de bala perdida. Afinal estamos no Rio de Janeiro e, esse tipo de coisa, já faz parte do cotidiano. É possível, porém, que isso não aconteça e que o meu Santo Padroeiro continue a abençoar o poeta, mantendo-o vivo e por inteiro.

É possível quê, ao sobreviver, eu escreva um livro de contos. É possível, até, que eu continue a escrever poemas e componha de quebra uma linda cantiga, só para enaltecer em nós, os desencontros desta vida.

É possível quê a Poeta da Pena Inquieta, descubra que o velho que lhe levou as ervas, vez por outra, lhe faz uma visita e, encantado pela qualidade dos seus versos, diga assim orgulhoso: eu bem que avisei!

É possível quê, qualquer dia desses, eu tome um trem e vá a Recreio, e de quebra dê um pulinho até Leopoldina... Quem sabe possa descobrir o paradeiro da Nana? Impossível, vai ser, não visitar a Chácara do Desengano. Quantas preciosas lembranças eu guardo daquele lugar.

É possível quê, um dia desses, a Carolina Ferraz, ao olhar bem dentro dos meus olhos assim diga: Eu nunca te vi, mas sei que te amo! É possível que o leitor desavisado, ao ler esta prosa, assim diga: coitado! Ainda não desaprendeu a sonhar.

É possível quê aqueles que hoje se escondem e se negam ao poema, descubram que a dor que se faz contida explode um dia em ferida, difícil de se curar. É possível que descubram o endereço: estação dos versos confessos, onde o lapidar constante transforma coisa cristalizada em prosa.

É possível, infelizmente, que nada disso aconteça! No entanto, sempre valerá a pena, pois já disse: sou um tolo, um poeta, que acredita até gnomos.

INTIMIDADES DE UM POETA


NALDOVELHO

Na beira do abismo a garrafa de conhaque atormenta minha mente. O cigarro aceso permanece entre os dedos, uma dúzia de rosas, ainda guardo em segredo, a maresia da orla, a ferrugem entorpece, um monte de poemas rascunhados na gaveta.

O barulho dos carros, a insônia insistente, madrugada chuvosa. As teclas do piano, ainda gosto de boleros, mas só os cubanos. A reforma da casa continua em meus planos, rasguei tuas cartas, teus retratos, meus sonhos, primavera, novembro, já faz tanto tempo, as notícias nos jornais, a esperança resiste, apesar dos enganos.

Num canto do quarto: samambaia chorona; no outro: renda portuguesa. Na estante da sala: discos e livros, e eu nem tenho mais vitrola, e faz tempo não leio, não escrevo mais poemas, doem muito e ainda sangram. Em cima da mesa solidão e a certeza: já não me resta tanto tempo, e a vontade anda fraca. Minhas pernas, hoje, doem, a glicose anda alta, gravei um CD, o livro está guardado, qualquer dia eu mando, só não sei o endereço.

E no fio da navalha, as artérias entupidas, coração anda espremido pela tal da nostalgia, a pele ressecada pelo tempo de espera, e esse trem que não chega, anda sempre atrasado. As malas já estão prontas, vou levando um agasalho, vai que lá faz frio!

Estou deixando este bilhete, quarta gaveta, lado esquerdo da cômoda, aquela do quarto! Estou deixando também minha saudade, só serviu para manter aberta a ferida, inspiração para um monte de bobagens, intimidades de um poeta, que eu nem sei se vão te interessar.

PRECISO QUEBRAR O SILÊNCIO


NALDOVELHO

Preciso quebrar o silêncio, libertar o verbo, faz tempo, aprisionado em mim, desentranhar sentimentos, materializar substantivos, enfatizar adjetivos, construir uma oração onde o tempo seja o eterno recomeçar.

Preciso quebrar correntes, revelar segredos, atirar pela janela todos os meus guardados, móveis, tapeçarias, utensílios, quadros, deixar a casa vazia, inclusive de espelhos... Preciso me reconstruir por inteiro.

Preciso telefonar, urgentemente, para aquele amigo que se fez ausente. Preciso saber onde errei e se ainda há tempo, e se não errei: preciso saber aceitar seu silêncio.

Preciso abrir portas e janelas, deixar o vento varrer toda a casa, e que os pássaros invadam a sala, preciso alimentá-los, principalmente de amor.

Preciso me apaixonar outra vez, reler tuas cartas, escrever outras, dizer que te amo, e ainda quê, há tanto tempo, ao meu lado, te abraçar com ternura, tratar de ti com cuidado.

Preciso cuidar melhor do meu jardim, regar na medida certa, flores e folhagens, podar alguns galhos secos, retirar ervas daninhas, partes amareladas, apodrecidas.

Preciso do abraço amigo, dos olhos nos olhos sem máscaras, da palavra que exorcize o medo de falar daquilo que gosto, e ainda assim, deixar bem claro que respeito, quem prefira de um outro jeito e compreendo a vida que têm para viver.

Preciso caminhar por este mundo, respirar o ar que ainda posso, rever lugares, pessoas, cidades, varar madrugadas desertas, saborear frutas colhidas sem pressa, curtir o som das águas de um rio a lapidar pedras, margens, caminhos, sentir o cheiro da chuva, das ervas escolhidas, remédios.

Preciso rever lua cheia e que não seja contaminada pelas luzes que vêm da cidade, e ao amanhecer forasteiro num lugar distante de tudo, entender que a vida podia ser diferente daquela que eu escolhi pra viver. Preciso acreditar que ainda existem muitas vidas a serem vividas e muitos outros lugares por onde eu possa me conhecer.

Preciso caminhar pela praia, sentir a areia entre os dedos, colher pedrinhas, conchinhas, reencontrar aquela sereia, mergulhar com ela nas águas, pedir a benção madrinha! Licença, pro teu filho, vim te visitar.

Preciso morrer daqui a algum tempo, e que seja uma morte sem dor. Que eu encerre como se fosse um poema, escrito por urgências de vida, por inquietudes estranhas, latentes, e eu fiz o melhor que pude! Fui um poeta, ainda que tardio, da linguagem da minha gente; pois sou caboclo, mestiço, cafuzo, visceralmente confuso, sem medidas métricas ou rimas, confessadamente insano pelo muito que semeei.

Preciso comer certas sementes, deixar que elas germinem e, no tempo certo, floresçam livremente lá dentro de mim.

A DANÇA DO TEMPO


A DANÇA DO TEMPO

NALDOVELHO

Na dança do tempo, o descompasso das horas,
ainda é noite aqui dentro, amanhece lá fora.
A porta entreaberta denuncia a loucura
o silêncio das coisas aumenta a clausura.
Na dança da vida, o descompasso do tempo,
calmaria aparente, tempestade aqui dentro.
E a insônia insistente não quer ir embora,
coração ainda sangra, vez por outra ainda chora.
Na dança dos versos, poemas que imploram,
nostalgia que eu temo, inquietudes que afloram,
Um sorriso aparente, um café, um cigarro,
uma dúzia de rosas ressecadas num jarro.
Na dança das águas, beija-flor foi pra longe,
voou bem depressa, se escondeu não sei onde.
Agora chove lá fora, secura aqui dentro,
as notícias que guardo são antigas, faz tempo.
Já são quase dez horas e a cidade nublada,
manhã fria de agosto, respiração afrontada.
O poema que nasce não diz o que eu quero,
não sei se desisto, não sei se te espero.