NALDOVELHO

ESPAÇO DEDICADO A POESIA

sexta-feira, setembro 08, 2006

LADO ESQUERDO DO PEITO


NALDOVELHO

Trago, guardado, faz tempo,
primeira gaveta, lado esquerdo do peito,
um poema molhado de veneno e orvalho,
por madrugadas insones, amanhecer sonolento,
já que até os versos que eu tento
não conseguem dissolver minha dor.
Trago, guardadas, reclusas,
segunda gaveta, lado esquerdo do peito,
sonoridades estranhas, dissonâncias tamanhas,
tem dias boleros, e sempre cubanos,
em outros são tangos, viscerais e profanos,
muitas vezes chorinhos, valsas, toadas,
e em especial Janis Joplin,
que quando passou por aqui,
deixou de presente um blues.
Trago, muitas coisas, faz tempo, guardadas,
terceira gaveta, lado esquerdo do peito,
coisas preciosas, sagradas,
retratos, cartas, bilhetes,
pedrinhas mareadas pela força das águas,
coisas cristalizadas que ainda incomodam,
um vidrinho de essência, o perfume: alfazema,
algumas cicatrizes, vez por outra, ainda doem,
um livro de poemas: Carlos Drumonnd de Andrade,
um outro de contos: Herman Hess.
Trago, faz tempo, arquivados,
quarta gaveta, lado esquerdo do peito:
exatos, cinqüenta e cinco outonos
e uma chave presa a um cordão de ouro,
só não sei, ainda, qual porta ela deve abrir.