NALDOVELHO

ESPAÇO DEDICADO A POESIA

domingo, setembro 24, 2006

PRIMAVERA, SETEMBRO, ANO DAS TREVAS



NALDOVELHO

Loucura, solidão, clausura. A fresta de janela que abres só aumenta a tortura, não permite ao vento o acesso e o ar permanece viciado. Só uma nesga de luz me invade e não resolve a escuridão.

O pedaço de pão que ofereces não mata minha fome, engasga na garganta, só aumenta a minha sede e me causa aflição. E nem adianta ligar o rádio, as músicas que tocam ferem meus ouvidos e as notícias que surgem sangram em minha alma. Não há nada de novo que mereça um sorriso, um poema, uma canção.

Jerusalém está em chamas, Beirute apodrece nos escombros, Bagdá afunda no fundamentalismo raivoso e o Pai a tudo observa e chora.

Médica é assassinada a tiros na Gávea, dois homens morrem em tiroteio na Vila da Penha, mãe envenena e mata filha de oito meses na Taquara, moradores do Morro do Borel, na Tijuca, protestam por morte de garoto, homem é encontrado baleado na Abolição, morre menino baleado em escola no Ilha do Governador. Algumas das muitas notícias da semana, última de setembro, início de primavera, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Aqui como lá, e em todo o lugar, não há nada de novo nas horas e tudo caminha a passos rápidos para o naufrágio, para o caos.

O carinho que ofertas não cura minha dor, não seca minhas lágrimas, não acalma meu coração. E o medo suprime meus poemas, emudece melodias, e o que permanece é o barulho surdo dos tambores, a sufocar friamente toda a inspiração.

Olho pela fresta da janela e Te vejo, ainda, crucificado e percebo que estás vivo, sofrendo por teus irmãos.

Por piedade, tirem urgentemente este Homem da Cruz!