NALDOVELHO

ESPAÇO DEDICADO A POESIA

sexta-feira, outubro 20, 2006

SAUDADES DO AMIGO


NALDOVELHO

Trago em minhas entranhas poemas tolhidos, truncados, feridos, sensações de um passado de muitas mordaças, ameaças, castigos, lembranças de um tempo onde o meu pensamento era como um rio: subterrâneo, latente, que desembocava vertentes doloridas, urgentes.

Trago na lembrança a imagem do amigo que desapareceu na fumaça, dos livros queimados em segredo e desgraça, e das idéias pisoteadas pela violência nas praças, esporas, patas, cavalos.; ou então na tortura que ainda hoje vigora, resquícios do antigo que tanta dor nos causou.

Trago em minhas narinas o cheiro de sangue dos porões dos navios, das fezes, latrinas, do cheiro de urina impregnado nas roupas e o gosto na boca da comida estragada e a fome, e o medo, e o medo, e o medo...

Trago, comigo, o grito estridente e a lágrima quente por dores profundas, verdades amargas, sussurradas, entre dentes, a revelar que o pensamento desapareceu de repente no pau de arara maldito, na água gelada e ardida, fios ligados, circuitos, e no terror convulsivo, dias e noites sem dormir. Trago feridas, até hoje doídas, que o tempo ainda não cicatrizou.

Quem sabe um resgate de vida? Quem sabe reencontrar meu irmão? O nome dele eu não digo, nem sob tortura eu confesso, que eu sinto saudades daquele que embarcou revoltoso nas asas estranhas de um pássaro que sequer decolou.