SAUDADES DO AMIGO

NALDOVELHO
Trago em minhas entranhas poemas tolhidos, truncados, feridos, sensações de um passado de muitas mordaças, ameaças, castigos, lembranças de um tempo onde o meu pensamento era como um rio: subterrâneo, latente, que desembocava vertentes doloridas, urgentes.
Trago na lembrança a imagem do amigo que desapareceu na fumaça, dos livros queimados em segredo e desgraça, e das idéias pisoteadas pela violência nas praças, esporas, patas, cavalos.; ou então na tortura que ainda hoje vigora, resquícios do antigo que tanta dor nos causou.
Trago em minhas narinas o cheiro de sangue dos porões dos navios, das fezes, latrinas, do cheiro de urina impregnado nas roupas e o gosto na boca da comida estragada e a fome, e o medo, e o medo, e o medo...
Trago, comigo, o grito estridente e a lágrima quente por dores profundas, verdades amargas, sussurradas, entre dentes, a revelar que o pensamento desapareceu de repente no pau de arara maldito, na água gelada e ardida, fios ligados, circuitos, e no terror convulsivo, dias e noites sem dormir. Trago feridas, até hoje doídas, que o tempo ainda não cicatrizou.
Quem sabe um resgate de vida? Quem sabe reencontrar meu irmão? O nome dele eu não digo, nem sob tortura eu confesso, que eu sinto saudades daquele que embarcou revoltoso nas asas estranhas de um pássaro que sequer decolou.
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