NALDOVELHO

ESPAÇO DEDICADO A POESIA

terça-feira, novembro 21, 2006

A PROCURA DE UM TEMA



NALDOVELHO

Manhã de inverno, fim de inverno, o dia é terça, o mês é agosto. O jornal traz noticias que eu não quero mais ler. São as mesmas de sempre, nenhum novo alento, ninguém que anuncie que um novo tempo esteja aí, já faz tempo, tentando nos surpreender. Mudam os personagens, às vezes o cenário, mas a história não! É sempre a mesma. Uma ajeitada no texto em busca de novos substantivos, principalmente adjetivos... Mudam a roupagem de um mesmo contexto para que pareça novidade e pronto! É só publicar para que os mais desatentos, anestesiados, sedentos, possam se alimentar. Compreender não precisa! É só estar atualizado, globalizado, integrado ao novo milênio.

As novas notícias parecem carne passada, aparentemente fresquinha que o sulfito maquiou. É só verificar com cuidado para constatar o engano: pivetes, indigentes, assaltos, favela marginalizada que o traficante tomou; crianças delinqüentes, já bem cedo armadas, são soldados infames de uma guerra urbana que ninguém declarou.

A bala perdida sempre acha um inocente. Um carro roubado, passando apressado, uma rajada de balas, cinco corpos no chão. Acerto do tráfico, guerra de ponto, matar custa nada, nem precisa um motivo, quanta queima de arquivo! Foi por encomenda doutor! Só que por acidente, quem passava por perto, também tombou!

Prostitutas crianças tão cedo nas ruas, inocentes, quase nuas, prontas para o prazer de algum respeitável senhor, com família, com filhos e de aparente dignidade. Na realidade um desequilibrado que a sociedade acoitou, que quando surpreendido, foge, covarde e apressado para não ser exorcizado numa cadeia qualquer.

Seqüestros relâmpagos ao cidadão desarmado, indefeso, ultrajado e ao mesmo tempo culpado por ser tão ausente, por ser conivente com algum engravatado que ao povo pilhou. Votar custa nada! O voto comprado! Tem sempre um canalha se dizendo doutor.

O crime, o adultério, um marido enganado, às vezes um amante! Ainda se mata por amor! Melhor dizendo, desamor. E a justiça emperrada e as leis complicadas, Alvarás, Liminares. Cadê o bandido? Tem juiz na parada! Obra superfaturada! Se um prende, o outro, solta! A policia impotente se dizendo inocente, muitas vezes envolvida, mal remunerada, falida. Já nem sei quem é o bandido! Só sei o quanto somos desprotegidos... Em quem confiar?

E tem mais notícias chegando: a guerra latente, um atentado incoerente, crianças mortas dentro de uma escola! O orgulho de um governo, ou será desgoverno? Que até hoje não conseguiu se explicar, justificar o massacre. Segredo de Estado que ninguém revelou.

O fanatismo dos religiosos, sedentos de sangue, a escrever uma história de intolerância e de dor. E ainda tem gente que acredita em Cristo, em Maomé ou em Buda, pelo menos é o que dizem! De facções divergentes, matando e pilhando o opositor.

Racismo ainda é uma chaga tão presente em nossos dias. Quantas raças irmãs, excluídas, discriminadas, marginalizadas, a buscar um espaço. Muitos vivem num buraco, muitos morrem de fome, muitos não têm nem um nome.

Um continente infectado, olha a AIDS, cuidado! A igreja incoerente, enclausurada em seus templos, preservativo é pecado! Como conter o instinto? Como impedir um sujeito de desejar a mulher do lado e ao sair contaminado, contaminar um outro coitado? Quantas coisas enfiadas na cabeça tão confusa de um pobre pecador.

E vai anoitecendo, e continua o dilema: à procura de um tema para escrever um poema, só acho temas amargos... Vou para a janela do quarto e é noite de lua cheia, às vezes ela é tão doce! Quem sabe, ela me inspire? Quem sabe eu possa escrever alguma história de amor, dessas com final feliz? Quem sabe assim apaziguar a minha dor? Esse tipo de história faz sempre sucesso, tem tanta gente carente, solitária, em busca do amor. Quem sabe um dia eu possa virar escritor? Pois estou ficando velho e cansado, correndo o risco de ficar ultrapassado, e aí, de não ser mais aceito pelo mercado, e isto com cinqüenta e cinco anos, considerado um velho, até mesmo inadequado por aqueles que só andam apressados e pensam como um computador.