NALDOVELHO

ESPAÇO DEDICADO A POESIA

segunda-feira, janeiro 22, 2007

BEIJOS MOLHADOS


Arte: Bruno Di Maio
NALDOVELHO

Beijos molhados, lambuzados de orvalho,
minhas mãos em seus seios,
minhas pernas entrelaçadas,
com suas pernas embaralhadas.
A respiração ofegante,
o gosto de vinho, tinto e rascante,
janelas abertas, é tão doce o pecado.

Rasgar sua blusa, libertar os seus seios,
espremê-los de anseios.
O seu ventre suado é chama que aquece.
O seu cheiro, o seu cheiro...
Embriaga e enlouquece.
A lua enxerida espiona, é claro!

Abafar seus gemidos, ocupar os espaços,
é tão forte o abraço.
Olhar nos seus olhos, perceber o delírio,
perceber as narinas dilatadas, desejos...
Deixar gravado em seu corpo
minhas marcas, meu nome;
nos seus ouvidos, segredos,
coisas bem indecentes.

Uma parte de você diz não!
Mas a outra se entrega,
não nega que gosta de me sentir abusado
por todos os cantos e lados.
Pois eu sou o veneno que alimenta o seu corpo,
pois sou eu quem sacia
a sua inquietude tamanha,
pois só assim você sossega,
adormece, sonha e esquece a dor.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

ESPELHO



NALDOVELHO

No espelho vejo marcas,
linhas gastas, cicatrizes,
cabelos brancos, bem curtinhos,
barba rala, já grisalha,
olhos tristes, marejados,
algum vestígio de coragem,
lábios finos, ressecados,
um sorriso disfarçado
e a peçonha gotejando.
O veneno ainda atua,
apesar dos muitos anos.
Vejo mãos já calejadas
pela lida do caminho,
por “semeios”, por espinhos,
por colheitas, por escolhas,
parte delas equivocadas,
pelas perdas, foram tantas,
pelos ganhos que eu preservo,
pelos sonhos, ainda os tenho.
No espelho vejo um homem,
meio tolo, um poeta
que ainda teima e faz planos,
que acredita em gnomos,
feiticeiras e sereias
e traz no corpo tatuagem
feita em tempos de tormenta,
um desmanche de feitiço,
foi mordida de serpente,
vez por outra ainda sangra
e na saudade ainda inflama,
nunca mais cicatrizou.

ODE AO PRAZER



NALDOVELHO

Minha boca, sua boca,
lábios calados, molhados,
línguas trocadas, mãos ocupadas,
caminhos diversos operam milagres.
As minhas em seus seios,
as suas mais ousadas.

Onde estarão minhas pernas?
Serão estas as suas pernas?

Um impulso incontido de procurar um abrigo,
um buraco, um fenda, uma greta, o perigo.
Um desejo confesso de me afogar em seu colo.
Não são palavras, são grunhidos!

Lentamente eu me exponho, desafio a peçonha,
desobedeço a fronteira, só para ficar impregnado
e reter em mim o seu cheiro.

Quero me redimir no pecado da adoração ao seu cio,
quero renunciar as cobertas, ao escudo e a armadura,
quero ficar desprotegido e aninhado em seus seios.

Quero o desatino do orvalho que brota
dos seus mais noturnos recantos,
quero a vergonha de lado, pois já nem sei mais
de que lado eu devo ficar?

Se do lado de fora a saborear os detalhes,
se do lado de dentro entranhado em você.

AOS POETAS



NALDOVELHO

Não reconheço o poeta que não tenha arestas, que não tenha vivido os contrastes e que não tenha em sua bagagem muitas histórias, boa parte delas mal comportadas, mal resolvidas e, às vezes até, inacabadas...

Não reconheço o poeta que não tenha espinhos, muitas farpas e cacos espetados por todo o corpo, feridas mal cicatrizadas, cortes, desgostos que sangram toda vez que alguém toca, e que vez por outra ardem, doem...

Não reconheço o poeta que tenha perdido a coragem de tentar sempre outra vez, outra vez, e mais outra vez... Apesar de saber que vai voltar a arder, a sangrar e a doer.

Não reconheço o poeta que não tenha vivido um drama, que não tenha se envolvido numa trama, que não tenha dobrado muitas esquinas ou que tenha como trajetória uma reta e longa linha, que não tenha sobrevivido a um feitiço, que não tenha se perdido em desvios, em atalhos, que não tenha caído em muitos buracos, ribanceiras, que não tenha arranhado todo o corpo e por força das suas incertezas, não seja meio labirinto, meio esfinge, meio esboço.

Não reconheço o poeta que não tenha praguejado, que na perda não tenha chorado, que no desencontro não tenha se lamentado. Podia ter sido tão bom!

Não reconheço o poeta sem pecado, que não tenha caminhado errado, que não tenha se enganado, ou não tenha sido enganado, que não tenha dormido em alguma cama estranha em busca de um outro sabor. Se não dormiu, sonhou ou então desejou!

Não reconheço o poeta que não tenha uma sombra, um fantasma, um arrependimento, frutos de um dissabor ou de um constrangimento; que seja sem conflitos, sem desgastes, sem atritos.

Não reconheço um poeta que não seja indecente, que não tenha uma boa quantidade de veneno escorrendo dos seus lábios ou guardado entre os dentes, que seja bem comportado, bem resolvido, em paz, harmonizado, que viva em plenitude, que seja feliz, sem ser hipócrita, pois todo o poeta é um louco, um buscador que se alimenta da vida, todo o poeta é o “antinirvana” e ele é como é, e ainda bem que assim é!

Aqueles que são poetas entenderão, aqueles que fingem, contestarão. De qualquer maneira peço licença para que eu possa passar com a minha loucura. Quero assim poder continuar semeando a busca pela compreensão.

LONGE DE VOCÊ



NALDOVELHO

Longe de você
todos os dias serão nublados,
as manhãs cinzentas,
as tardes sonolentas
e as noites chuvosas
com madrugadas barulhentas
que é para não se conciliar
a insônia com o sono,
e ao amanhecer com olheiras
ficar patente o abandono
que o poeta costuma viver.

Longe de você a fumaça do cigarro
se mistura com a poluição do ambiente
e o pulmão reclama doente
por conta de um respirar afrontado
e do bater de um coração acelerado
que só faz viver desanimado
por não querer mais sofrer.

Longe de você
todo o amanhã será passado
e passará assim tão calado
que não dará a perceber
aquilo que eu tinha pra viver.

Longe de você
o que eu como não saboreio,
o que eu bebo se faz amargo,
e o que eu cheiro, rejeito enjoado,
e me dá um fastio danado,
coisas de um apaixonado,
desses que dá dó de se ver.

Longe de você
o violão se cala desafinado,
a poesia perde o encanto e a magia
do novo, do surreal, do inusitado
e o que se vê é só lamento, é solidão,
é desentranhamento,
de viver tentando um remédio,
uma vacina, um antídoto
para o tédio de viver sem você.

Longe de você
eu já não quero saber de outra dança,
se alguém convida, eu recuso!
Digo que estou cansado,
peço licença e saio apressado,
volto para o meu quarto tão frio,
e deito, assim solitário,
pedindo a Deus para parar de doer.

HÁ UM LUGAR



NALDOVELHO

Há um lugar
onde todos os gatos são pardos,
todos os beijos amargos
e um bolero tristemente arrastado
a emoldurar o cenário.
Por lá servem dá mais pura aguardente
e todos os colos são quentes.
Sangue, suor e saliva
a compor pesadamente o ambiente.

Há um lugar
onde portas e janelas vivem trancadas,
e, ainda assim, as pessoas não percebem
que o ar saturado vicia
e nem o tamanho do estrago.
Por lá todo veneno goteja,
e as células do meu corpo contaminadas,
e a morte, a arrumar minhas malas,
diz: hora de partir!

Há um lugar
onde minhas feridas serão tratadas,
minha inquietude apaziguada,
e nada será como era antes,
pois se eu não me engano:
sêmen e semente trarão redenção ao pecado
e o ventre de uma mulher amada
há de me acolher.

MINHA NATUREZA



NALDOVELHO

Minha natureza é a imensidão
e em minhas entranhas carrego:
imagens estranhas, metáforas,
palavras acasaladas insanas,
música visceral e profana,
dormentes de trilho, caminho,
inquietude da alma, espinhos,
sementes de trigo, moinhos...
E muita inspiração.

Gosto de caminhar pelas incertezas
das madrugadas insones e frias,
gosto do cigarro fumado sem pressa
e do mundo orvalhado lá fora
num amanhecer que não demora
a colocar ordem na casa...
Não sei bem por quê?
Tenho muito sono de manhã.

Minha sina é a de ser buscador de fronteiras,
cordilheiras, passagens, verdades
e nos desgaste das rochas ao vento
sou forja rebelde, viagem.
Sou também encontro das águas,
enchente, fruto maduro, reconheço!
Mas a esperança persiste nos olhos,
sem que eu saiba ao menos por quê.

Meus versos brotam sempre repletos:
notícias, cantigas, lamentos,
que curam dor de constrangimento
e aliviam o fardo pesado
das heranças que eu trago comigo.
E a cada poema um lenitivo
para que eu possa estar sempre renovado,
e assim sendo, a cada passo,
reescrever meu destino.

MEU JEITO DE CAMINHAR



NALDOVELHO

Pacientemente eu vivo a traçar meu rumo,
exploro atalhos, clareiras,
arrisco-me em íngremes ribanceiras,
às vezes em ferozes corredeiras,
não raro, escorrego e caio.
E vou assim, meio sem eira nem beira,
como quem não tem pressa de chegar.

Vivo a construir abrigos, lugares seguros
e preguiçosamente deixo o tempo passar.
Às vezes caminhar não é preciso.
Tem momentos que a reflexão é o melhor lugar,
e até que a borrasca passe, melhor não arriscar.

Sei que sou assim! Estradeiro, inquieto,
solitário e às vezes um tanto ou quanto incerto.
Gosto de me sentir descompromissado
e sei que a liberdade tem um preço,
que dia a dia eu pago sem reclamar.

Às vezes conheço alguém pelo caminho,
travo amizade, confidencio verdades,
busco abrir-me ao sentimento.
Depois, pé na estrada, outra vez,
pois esta caminhada promete ser longa
e eu ainda tenho muito que trilhar.
Sem pressa! Pois apressado, corro o risco de tropeçar.
Não que eu tenha medo dos tropeços,
mas sempre que posso costumo evitar.

Quem quiser acompanhar os meus passos
pode se sentir à vontade, não paga nada!
Mas tenha muito cuidado,
pois as trilhas, que eu às vezes tomo,
podem dar em nenhum lugar.

E assim vou tocando a vida.
Este é o meu jeito de caminhar.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

O PÓ, AS CINZAS, OS CACOS



NALDOVELHO

Uma lareira apagada,
uma casa vazia,
num dia frio de inverno
cinzas espalhadas
pelo chão, pelo tapete.

A poeira sobre os móveis,
a casa abandonada,
a cama desfeita,
o silêncio entranhado
por todos os cantos da casa.

Um cheiro de coisas mortas,
é a poeira que sufoca
a paisagem deserta.
A mesa feita de troncos
apodreceu com o tempo.
Um espelho partido,
estilhaços pelo quarto.
Uma vidraça quebrada,
estilhaços pela sala.

O pó, as cinzas, os cacos...
Na solidão do vidro
uma lágrima escorre
e no vazio destes tempos,
um crime que não se revela.
O pó, as cinzas, os cacos,
a cama, o tapete e o quarto...

Não consigo respirar !

CONTRA A MARÉ



NALDOVELHO

Solitária nascente, gotejando sementes,
construir o presente no ventre de uma mulher.
Filetes de pedra, mais parecem espinhos,
cristalinas escarpas, fronteiras em desalinho.
Eu vi um menino a escalar a montanha
e a escrever com as mãos o seu próprio destino,
braço de um rio a sagrar o seu curso,
navegar, navegar, descobrir o seu ninho,
aportar, lançar amarras, alterar meu destino,
fazer do amor que floresce a razão dos meus sonhos.
Poderosa enchente que a tudo renova...
Adernar, naufragar, me afogar em delírio,
descobrir que a dor impulsiona o ser.
Desgovernado que seja, alterar o meu curso,
ver o mar raivoso ser a foz de um rio,
e uma velha embarcação resistindo ao açoite.
Prosseguir mar afora, peregrino e vadio,
pela força dos ventos, da saudade e do cansaço.
Eu vi um menino, sobrevivente dos tempos,
a escrever com as mãos o seu próprio destino,
a procura de um norte, a desafiar a própria morte;
suas mãos calejadas por lutar contra a maré.

terça-feira, janeiro 16, 2007

BUENA VISTA SOCIAL CLUB



ARTE: Rosino

NALDOVELHO

Passaram-se os anos povoados de enganos,
só ficou um outubro lá dentro de mim.
Os cabelos tão brancos, as rugas no rosto,
os olhos maduros colhidos sem pressa
e as mãos calejadas despejam poemas,
doloridas as cordas do meu violão.
As telas que eu pinto retratam meus sonhos
por vales, marinas, silenciosas paisagens,
solitárias escolhas, caminhos sem fim.
Já faz tanto tempo e eu ainda choro,
lágrimas discretas, repletas, secretas,
primavera lá fora, outono aqui dentro,
janelas e portas permanecem entreabertas.
Passaram-se os anos, inquietos, confessos,
o lirismo é a maneira de mostrar que te amo
em melodias que insistem em dizer eu te quero.
Compassos medidos, revelam saudades,
num tango, num choro e até num cubano,
um daqueles boleros contundentes profanos,
Compay Segundo entendia o que digo,
Buena Vista Social Club não me deixa mentir.

EM MEU PEITO



NALDOVELHO

Em meu peito eu percebo:
cicatrizes tão doídas,
tantas farpas espetadas,
vez por outra ainda doem,
toda a vez que o tempo muda
reacendem-se os meus ais.

Uma artéria entupida,
algum sangue coagulado,
respiração anda ofegante,
batimento acelerado,
inquietude insistente,
sentimentos sufocados,
uma insônia contumaz,
nostalgia vive solta,
fez morada em meus poemas,
foi embora nunca mais.

Em meu peito eu percebo:
queimaduras bem recentes,
o conflito eminente
entre o anjo e o diabo,
toda a vez que a lua atiça,
sinto areia movediça,
sinto um rio de águas quentes
e me afogo um pouco mais.

Em meu peito eu percebo
um carinho ofertado,
ainda estás nos meus guardados,
não importa a distância,
sobrevive a esperança,
são lembranças preciosas,
e a marca dos teus dentes
ainda guardo de presente,
e o cheiro de alfazema
ainda está no ambiente...
São gasturas, que eu confesso,
entranhadas em meus versos,
toda a vez que eu abro a porta,
a saudade diz presente!

Em meu peito eu percebo
tua imagem tatuada,
estiagem, abandono.



EU NEGO



NALDOVELHO

Qualquer coisa que digam
que possa relacionar-me a tua pessoa,
eu nego!
Veementemente nego!
Nego que te ame,
ou mesmo que a qualquer tempo
tenha te amado como dizias.

Nego que tenha, a qualquer pretexto,
me debruçado em versos
que dissessem da minha saudade,
da ausência que costumeiramente me invade,
ou mesmo da danada da nostalgia
que o poeta sente e se ressente
por ter te amado como dizias.

Nego até que eu seja um poeta!
Um desses que costuma desencravar poemas
por conta de desencontros,
de dor de partida, de coisas mal resolvidas!
Acredite: eu nego!

Nego que acredite em feitiços,
em outono, em invernos...
Primavera então, nem pensar!
Irritam-me as flores e os pássaros
e tudo aquilo que costumam inspirar.

Nego que o ar que eu respiro
seja impregnado por tua essência,
se me lembro bem, alfazema!
E qualquer coisa que digam
é a mais pura e absurda fantasia.

Nego até que o sol insistente,
contra a minha razão e vontade,
nasça pela manhã, todos os dias...

Só uma coisa eu confirmo:
sou um mentiroso confesso.
Isto eu não posso negar!


PARA QUEM NASCEU DE CASTIGO


ARTE: MATÓ
NALDOVELHO

Esse aí há de nascer sob o manto da estrela da manhã, de uma manhã de chuva, exatos três de agosto, ano do tigre, signo de leão. No Tarô, o Eremita será a sua carta, uma homenagem aos Homens do Caminho, um culto à solidão!

Será filho de Omulú e Iemanjá, seus padrinhos serão Xangô e Mamãe Oxum. E tudo isso, com a licença de Oxalá!

Já vai nascer de castigo, nada muito radical ou trágico. É pelo muito que andou aprontando em outras trilhas, caminhos. Apenas o suficiente para que ele possa aprender a reescrever seu destino.

Contam os Anciões do Conselho que por força dos seus próprios desatinos, antes do renascimento, ainda na fase do preparo, quando o bolo estava sendo feito, de propósito, foi recheado com uma massa, danada de ardida, que um espírito amigo chamou de inquietação. E que por ser assim tão apimentada, até que fosse depurada, seria de difícil digestão.

Está também previsto que ele vai ter que ser muito testado e vai ter que aprender a amar e a sofrer com os desencontros. Vai ser um colecionador de lembranças, cicatrizes, feridas e terá que aprender a lidar com as perdas e com o desencanto; a construir muitos castelos de areia para o mar poder desmanchar em dia de maré cheia. Vai ter sempre uma lágrima nos olhos pronta pra chorar, mas nunca vai poder se entregar ao pranto, mesmo que seja por uma saudade imensa e tardia. Vai ter que buscar sempre o remédio que possa estancar sua dor e vai ter que, finalmente, aprender sobre a dor; não mais a sua, mas a de tantos, que é pra que a dor que existe no mundo um dia saber curar.

Será certamente um poeta, alguém com muita coragem e terá que escrever muitos versos, seus passos, caminhos, vivências; para quando merecer sair do castigo, poder se transformar num guia, não mais um anjo caído; num servo, um trabalhador do caminho, alguém com quem possamos contar.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

COISAS TÃO PLENAS


ARTE: Joana Ara Pons

NALDOVELHO

Trago comigo coisas tão plenas,
prosas em versos, cantigas, poemas,
serenas mensagens de amor e saudade,
vivências que o tempo preservou para mim.
Trago braçadas de rosas vermelhas
e o corpo marcado, espinhos, certezas,
brancos crisântemos, delicados jasmins,
mistura de essências de um sagrado jardim.
Trago comigo histórias de vida,
trilhas abertas em horas incertas,
as mãos calejadas por aparar as arestas
no esculpir dos sonhos que ousei projetar.
Trago comigo frutas tão tenras,
o vinho extraído na inclemência da vida,
o suor e sol na colheita do sal
e um sorriso nos olhos pra poder te ofertar.
Trago comigo o segredo dos magos,
desfaço embaraços, armadilhas, feitiços
e nas ervas trago a cura precisa
pros males que o homem teima em criar.
Trago comigo a força dos ventos,
do ciclo das águas trago a clareza,
também trago um hino à vida que temos
e a certeza de um dia poder te encontrar.

ESFINGE


Arte: MATÓ
http://www.artmato.com.br/

NALDOVELHO

Esfinge que finge
não temer os meus versos,
imploro aos seus olhos
um caminho, um atalho,
a palavra correta
que me leve ao seu colo.
A chave de um sonho,
revelar seus mistérios,
mulher que me abraça
e me devora as entranhas.
Estranha é a leoa
que assanha e arranha,
que fere e me chama,
só pra dizer que me ama
e depois me abandona
aprisionado ao seu cheiro.
Revela o encanto
que eu pressinto e permeio,
esfinge que finge
não temer os meus versos,
eu sei que um poema
vai revelar o enigma,
desvendar um caminho
que me leve à loucura.


AINDA QUÊ...



NALDOVELHO

Quinas, esquinas, ruas transversas,
vias expressas, paralelas, complexas,
os carros se apressam, correria tamanha,
cidade truncada, sitiada e insana.
A sirene, o sinal, o aviso é vermelho.
Navegar eu preciso, descobrir o segredo,
decifrar o enigma que eu vi em seus olhos,
renovar o meu pacto, exorcizar meus demônios.
Se eu seguir por esta rua vou morrer numa praça,
se eu dobrar a esquina vou cair em desgraça,
se eu romper a fronteira vou virar um estranho,
se eu ficar onde estou: naufragar em enganos.
E o relógio avisa, já não há muito tempo,
e o amor que eu tinha viajou pra bem longe,
só deixou de presente um retrato e uns discos,
e eu nem tenho vitrola, ainda assim eu os guardo.
Ainda tenho os poemas que eu teimo e que choro,
ainda tenho alguns quadros,luminosos matizes
e uma sede danada, quem sabe um conhaque?
E a inquietude ainda mora lá dentro de mim.
Quinas, esquinas, o bairro onde eu moro
tem uma via expressa, complexa, estranha.
Se eu romper a fronteira vou virar um estranho,
navegar eu preciso, ainda quê: em sonhos.

A ETERNIDADE DESTE INSTANTE



NALDOVELHO

É como a névoa que envolve meu corpo, embaça meus olhos, tirando-me o norte e me deixa a deriva por conta da sorte, por conta da paixão.

É como a boa aguardente que queima, arranha e embriaga, mas ainda assim eu bebo, sempre, e sempre, com redobrado prazer.

É como o conhaque no café, servido bem quente, em noite fria de inverno, depois fumar um cigarro, momentos de reflexão! É saber que esse um prazer que um dia não mais vou ter.

É como madrugada de lua cheia exibida, alcoviteira querida que invade o meu quarto, daqui a pouco amanhece, deixe-me reter este encanto, deixe-me escrever um poema, é importante que eu diga, é sempre bom estar ao seu lado, compartilhar com você.

É como cobertor para dois, chega mais perto, me abraça, é tão bom estarmos sem pressa, esquecidos da vida lá fora. Tomara Deus que esta noite não mais se acabe, tomara! Que eu nunca mais precise estar longe de você.

É como travesseiro macio, o meu está com o seu cheiro. Fiquei aninhado em seu colo, tirei um cochilo tranqüilo, sonhei que o dia, por um dia, resolveu nascer lá nos longes, bem depois do horizonte, para que esta noite tivesse a eternidade de um instante que eu garanto, nunca mais esquecer!

É como musica que escorre, brotando de todos os poros, é o seu sorriso suave, é você tão ardente e intensa, pestinha, capeta, teimosa e uma saudade latente, mesmo que você esteja presente.

É não suportar o silêncio, é madrugada de sábado, é voltar depressa pra casa e sentir o seu cheiro espalhado por todos os cantos e lados.

Não deixe fugir a essência de ser o pecado, a amante. Tomara Deus que estes momentos sejam eternos também pra você.

Pois mesmo que um dia distantes, e o nosso caso encerrado, restará a lembrança sagrada da eternidade deste instante, guardado em nossos guardados, pois terá valido a pena ter vivido ao seu lado, terá valido a pena ter amado você.

ACREDITO EM GNOMOS



NALDOVELHO

Acredito em gnomos,
fadas, dragões e duendes,
em princesas aprisionadas,
castelos de areia, cavalos alados
e casas mal assombradas.
Feitiço feito, e bem acabado,
com veneno ardido de serpente,
difícil de curar!

Acredito na magia
que a estrela da manhã nos deixa
e sempre pago pra ver!
Que remédio, sou poeta!
Acostumado a crer em coisas
que ninguém mais consegue ver.

Acredito no amor,
no ciclo eterno das águas,
em mandalas feitas sem pressa
que o vento desmancha ao entardecer.

Acredito até em sereia!
Dia desses, nem faz muito tempo,
segui o rastro de uma,
lá pras bandas de um estranho rochedo
mareado pela força do mar.
Até hoje busco catar os cacos
e pacientemente emendá-los.
Não tem jeito, sou um tolo!
Repito, um poeta!

LUA MADRUGADEIRA



NALDOVELHO

Lua madrugadeira,
o dia já nasceu por inteiro
e você não foi embora.
Lua de feitiços,
que vive presa
ao desconforto das horas,
que enamorada da estrela primeira,
desfaz-se em encantos e chora.
Lua entristecida
que no horizonte se mostra indecisa,
a nos dizer que apesar de ser
poema de amor derradeiro,
não demora, tão fraca e pálida,
vai ter que partir.
Lua que acontece em meus sonhos,
diz-me onde você mora ?
E depois que você for embora,
que caminhos eu devo seguir ?

sábado, janeiro 13, 2007

QUE SEJA EM VOCÊ



NALDOVELHO

Minha mão estremece ao invadir-lhe o decote,
o bico do seu seio a oferecer-se generoso,
já não sigo o ritmo enlouquecedor do Caribe
e o que chega aos meus ouvidos, é suave e envolvente.

O calor do seu ventre atraí, feito um imã,
pareço desafiar a impenetrabilidade dos corpos.
Já não consigo pensar, cada vez mais em seus braços,
misto de fera e menino que busca o carinho
e ainda assim quer lhe devorar.

Se a orquestra parar, eu não sei o que eu faço!
Melhor permanecer em seus braços a espera de outra música,
uma que seja bem lenta para que possamos continuar.
Ainda bem que a penumbra tomou conta do espaço...

Lá fora, deve existir um recanto, algum refúgio seguro,
aonde eu possa ousar desabotoar seu vestido,
beijar os seus seios, molhar os meus dedos
em seus mais secretos abrigos, não vislumbro o perigo!

Quero vê-la no orgasmo, sentir o seu cheiro
e aconchegar o meu ser no calor de suas coxas,
beber sedento o veneno e depois morrer.
Uma pequena morte que seja, mas que seja em você.

QUEBRA-CABEÇA



NALDOVELHO

Vou mostrar como se faz: pegue um pedaço pequeno, são muitos os pequenos pedaços! Depois junte a ele outro pequeno pedaço, um que encaixe! E prossiga assim até encaixar todos estes pedaços. Pronto, já tem uma boa parte montada, toda feita de pequenos pedaços. São os nossos defeitos. Ainda bem que até aí não existem grandes pedaços, nós só temos pequenos defeitos, muitos na verdade! Porém nada muito pesado a ponto de nos impedir a jornada.

Depois, comece a encaixar os médios pedaços. Já não são tantos quanto os pequenos, sem dúvida, bem mais preciosos. São as nossas qualidades, jóias raras, apreciadas, que não se cansam de ser exaltadas. É importante enaltecermos as qualidades e ainda que não sejam tantas, já não são mais tão escassas e nos dão à noção da importância que um dia vamos ter. Encaixe-os com cuidado! Movendo-os com atenção, são pesados esses pedaços, difíceis de serem manejados. São muitas as responsabilidades que as qualidades costumam ter.

Pronto, agora que já tem duas partes montadas, é continuar o trabalho, e não perca tempo tentando encaixar defeitos e qualidades, são incompatíveis, não se complementam. São apenas partes importantes, integrantes de um todo, que chamamos de ser.

Agora, é trabalhar os contornos, grandes pedaços, que depois de encaixados, certamente, trarão sentido e coerência ao quebra-cabeça. Veja este pedaço! O nome dele é paixão, aquele outro se chama sensibilidade, também tem a tenacidade, a precaução, a inteligência, a percepção, a emoção, a coragem...

Veja aquele grupo de pedaços, são os nossos talentos, os nossos dons. Meu Deus quantos pedaços! Que não são defeitos, nem qualidades e que precisam ser manuseados na medida certa da compreensão.

Não tenha medo, é só trabalhar com cuidado, temos toda a existência para montar esse quebra-cabeça.

Viu, já está quase todo encaixado, mais um ou dois pedaços e estará todo montado. Fácil não!

segunda-feira, janeiro 08, 2007

COISAS GUARDADAS



NALDOVELHO

Dentro do meu armário,
no fundo de uma gaveta,
pedaços do meu passado,
tiras, retalhos, guardados,
tudo devidamente catalogado.

Guardo o quintal da vizinha
com amoreira e tudo,
e uma mangueira frondosa,
manga carnuda e gostosa.

Guardo um gato safado,
o nome dele é Veludo,
e um cachorro vira-latas,
já bem velhinho e surdo.

Guardo um pato maluco quê,
de quando em vez,
anda todo de lado,
come chiclete e bola de gude.

Guardo uma unha encravada
que depois de um racha de rua
ficou bastante inflamada
e deu um trabalho danado
pro Seu Luiz da farmácia
conseguir arrancar.
Deus do céu, como doeu!

Guardo o beijo roubado
da filha de uma outra vizinha
e as coxas quentinhas
de uma priminha assanhada.

Guardo o bilhete amassado
escrito por uma ex-namorada
que marcou comigo e coitada,
ficou constipada e não compareceu.

Guardo o pátio do Liceu,
onde os primeiros poemas,
na realidade rabiscos,
loucuras explícitas
que aos quinze anos ousei.

Guardo as madrugadas impunes,
de andar livre e despreocupado
e a turma da esquina
com tudo que aprontávamos.

Guardo o primeiro maço de cigarros,
marca Mistura Fina,
e um belo de um catiripapo
por estar fumar escondido,
foi o Tio Carlinhos quem deu!

Guardo o primeiro porre,
vinho suave e conhaque,
junto com o primeiro violão,
ainda com cordas, mas desafinado.

Guardo um monte de sentimentos,
todos muito, bem enraizados
que o tempo não dissolveu.

Guardo as incertezas da vida
e um tempo em que eu nada sabia,
mas tinha todas as respostas,
ou pensava que tinha!
e a constatação
de que ainda hoje nada sei.

E guardo principalmente
e por amor a minha vida,
a criança travessa escondida
no fundo do meu EU.

domingo, janeiro 07, 2007

A MESMA HISTÓRIA DE SEMPRE



NALDOVELHO

Sereno da noite, cheiro de madrugada,
pétalas molhadas, tocar o teu rosto,
olhar em teus olhos, dizer que te quero.
Tua pele macia, permaneço ao teu lado,
apesar da distância, sobrevive a poesia,
nesta cidade nublada, nesta cidade tão fria.

Já são cinco horas e a insônia insistente,
imagino o teu corpo enroscado ao meu.
Esquecer: não consigo, do que eu mais preciso,
os teus seios tão fartos espremidos em meu peito.

Tua pele é tão branca, suave e macia.
Ainda curto as sardas, tuas marcas, perigos.
O som da tua voz fixou moradia dentro de mim.

O sol vai nascendo, chove e faz frio...
É a mesma história de sempre:
só ao amanhecer eu consigo
conciliar a insônia e o sono.

A DÁDIVA DA SUA CRIAÇÃO



NALDOVELHO

Trago uma história escondida no fundo do peito,
um segredo lacrado por velhos defeitos,
e as pernas cansadas de andar sem abrigo,
por tantas jornadas, por trilhas, perigos,
por tantas batalhas fazendo inimigos,
por tantas medalhas guardadas comigo
e eu nem sei bem porque me perdi de Você.
Tenho os olhos embaçados por tentar Lhe enxergar
por entre a neblina que reina em todo o lugar.
Tenho as mãos machucadas na colheita do sal,
o meu rosto enrugado pela força dos ventos
e o meu corpo queimado pelos raios do sol.
Trago a semente de um tempo que ainda há de nascer
e quem sabe eu ainda possa semear por Você?
Trago um cristal lapidado, alquimia dos tempos,
e a certeza de um dia poder Lhe encontrar
e revelar na magia da mãe natureza,
o remédio e a cura de tantas feridas.
Tenho o carinho e a poesia brotando das mãos,
trago latente a esperança de rever o inimigo
e quem sabe a um amigo poder abraçar.
Trago comigo a crença que o novo não tarda,
trazendo consigo a revelação
de um tempo sagrado de restauração,
onde haja o abrigo e eu possa viver,
onde não haja segredos, nem velhos defeitos,
onde eu possa colher sem sangrar todo o sal,
onde eu possa crescer sem ferir tanta gente
e assim merecer a dádiva da Sua criação.

sábado, janeiro 06, 2007

BEIJA-FLOR



NALDOVELHO

Pardal atrevido,
pousou em meu jardim,
descuidado,
destruiu a flor mais bela.
Beija-flor entristecido,
observa e chora!

sexta-feira, janeiro 05, 2007

PERMANECE O DRAMA



NALDOVELHO

Fios retorcidos embaralham a trama,
bordados sem sentido tomam conta do tecido,
palavras embriagadas tropeçam nos significados.
Permanece o drama e ninguém reclama.

O sacerdote enlouquecido num sermão equivocado
diz que a poesia que hoje chora é pecadora contumaz.
Uma guitarra ensandecida em harmonias infernais,
sacrifica a melodia num estranho ritual.
Carpideiras se divertem com a agonia do poema
e o imperador lamenta a morte do tirano enforcado.

A estrela da manhã e apedrejada em plena praça
e o povo comemora, ri com gosto da desgraça.
E o diabo observa, lamentando o triste enredo,
já não tem mais nem espaço pra tanta gente em degredo.
E a história se repete, todos os dias, já faz tempo:
a poesia crucificada implora ao Pai por seus rebentos.

Fios retorcidos, bordados sem sentido,

palavras embriagadas.
Permanece o drama e ninguém reclama!

quarta-feira, janeiro 03, 2007

AUTO-RETRATO



NALDOVELHO

Imagens, paisagens, lúdicas, lunares, áridas imagens... Muitos matizes de uma mesma cor, Assim são as telas, meus quadros, minha dor.

As muitas sementes jogadas ao vento, algumas germinaram, outras latentes, algumas perdidas em longínquas paragens, ao alcance de um abraço só uma restou.

Não falo bobagens, levo a vida a sério, até os meus erros os cometo com ardor. Tenho poucos amigos, desconheço o inimigo, tenho a solidão como o meu melhor abrigo e o Eremita é a minha carta no Tarô. Sou instável, às vezes fluídico, muitas vezes fumaça ao sabor do vento, outras vezes alfazema invadindo o teu quarto, suave fragrância, sou feito essência que se entranha ao teu corpo e se mistura ao teu cheiro, deixando marcada a minha presença, testemunha de um sonho que nunca se realizou.

Têm dias que eu chovo, sou meio nublado, inundo o caminho, tal qual tempestade, às vezes garoa, chuvinha à toa, que molha a vidraça e os jardins da cidade. Às vezes sou árido, inóspito e desértico, e às vezes sou vento que muda a paisagem. Assustam-me as fotos, não sou fotogênico, sou bem mais bonito, meu espelho é quem diz. Não costumo dar risadas, estou mais para o sorriso; prefiro os romances, não gosto dos dramas; minhas lágrimas são poucas, acho que cristalizadas.

Sou bem cuidadoso, até generoso, não uso a palavra despropositada, para mim poesia, nunca é só poesia, para mim um poema é sempre mais que um poema, é materializar um sentimento, uma emoção, uma dor.

Minhas paixões são perenes e delas não abro mão! Guardo-as sempre como boas lembranças, grandes e maravilhosas mulheres, responsáveis pelo homem que hoje eu sou.

Já fiz muitas viagens, conheci muitos lugares, estou sempre de chegada, nunca de partida. Visto-me discretamente, para não chamar a atenção. Quero que as pessoas me percebam pela energia que passo, não vendo gato por lebre!

Sou justo, honesto e bem transparente, tenho a dignidade como código, sou ético e acredito que liberdade é fazer sempre o que tem que ser feito, muitas vezes submetendo a vontade e a emoção à razão.

Às vezes me sinto meio deslocado, mas sou um espiritualista, acredito na redenção. Acredito que em meu caminho sempre existirão muitas oportunidades, é só nunca parar de crescer, é só nunca deixar de acreditar que um dia que eu espero não muito distante, eu possa merecer colocar em prática as coisas que eu tenho aprendido.

Nesse dia, certamente, caminharemos de mãos dadas, revelando ao mundo o romance e a delicadeza de um instante, segredo precioso e sagrado, que por hora vai ficar nos guardados até que o possamos viver.

A ALMA QUE EU TENHO



NALDOVELHO

A alma que eu tenho inquieta
se apressa a percorrer caminhos
e por onde ela passa repleta
colhe sementes carinhos,
guarda cheiros latentes
que só ela é capaz de sentir.

A alma que eu tenho inquieta
traz em seu rosto um sorriso,
meio assim sem juízo,
que desfaz em seu corpo as marcas,
por conta dos muitos espinhos
colhidos na pressa confessa
e na ânsia de se viver.

A alma que eu tenho inquieta
costuma tecer melodias,
retratos de uma agonia
que só quem ouve e consente
consegue se aperceber.

A alma que eu tenho inquieta
desfaz-se em versos, poemas,
é brisa que bate serena,
que atiça e acaricia o seu corpo
e o faz com destreza e gosto,
coisa difícil de se esquecer.

A alma que eu tenho inquieta
é prisioneira e ao mesmo tempo liberta,
viajante de muitas jornadas
que acabam sempre em retorno,
pois só em você encontro o meu porto,
abrigo tão quente e tranqüilo,
cativo do bem querer.

A ALGUÉM VISCERALMENTE POETA



NALDOVELHO

Como te definir num poema?
Se quando eu te percebo
tal qual vinho tinto encorpado,
amadurecido e rascante,
tu me surges, vinho branco,
suave, licoroso e inebriante
e me faz beber até desfalecer.
Se assim como quê, por encanto,
de tempestade varrendo a cidade,
tu invades meu quarto,
feito brisa cálida e macia
e abusadamente me acaricia
até não mais poder?
Como te definir num poema?
Se és tigresa de afiadas presas,
mas que enroscada em mim
adormeces em sutilezas
e sonha ronronando de prazer?
Como definir um sonho?
Não tenho tal poder!
Como te retratar em meus versos?
Se, enlouqueço ao te ver, confesso!
E cego de paixão nada consigo escrever.
Como encontrar rimas tão ricas?
Se a riqueza maior que eu tenho
é estar irremediavelmente preso ao teu ser.
Como te descrever tal qual um anjo?
Se em minha cama tu me possuis
enlouquecida, um demônio,
que entranhada me bolina e alucina,
e me possui tão tirana
de um jeito assim tão sem-vergonha,
e exige de mim toda a seiva
que eu possa te oferecer.
Como definir alguém
tão visceralmente poeta,
tão visceralmente inquieta?
Que se apaixona por mim,
um homem sem rumo, nem prumo,
que nem é capaz de te merecer.
Sei não! Melhor não ousar um poema,
melhor dizer, apenas, te amo!
Mais, não conseguiria fazer.

BALA PERDIDA



NALDOVELHO

Teria sido bala perdida,
ou teria gravada no corpo,
riscado a faca, o meu nome?

Só sei que foi por pouco,
passou queimando-me a pele,
abrindo um sulco no carne
que sangra o sangue dos tolos,
que jorra em versos, poemas,
confissões, sussurros, desgostos
e que lateja toda a vez que toco,
que penso, que ouso, que choro.

O mais certo é ter sido tocaia,
causo pensado, desforra,
dor que eu causei...
Quem sabe um desconforto?
Talvez dor de mulher amada,
melhor dizer, mal amada!
São tantas as idas e vindas
daquele que não tem um porto.

Melhor andar mais atento,
evitar outros constrangimentos,
pois são muitos os perigos
para quem escolheu a inquietude
como caminho acidentado de vida.
Melhor queimar com aguardente,
cauterizar a ferida, fazê-la latente,
mais uma cicatriz...
Ainda que vez por outra me doa...
Vai ser dor de poesia urgente
de quem não tem lugar nem hora
para exercer seu direito de ser.

terça-feira, janeiro 02, 2007

O JEITO DAS COISAS



NALDOVELHO

O jeito das coisas, o rumo dos ventos,
um vaso de flores, a marcha do tempo,
os olhos abertos, assim sonolentos.
Uma música suave, é sempre uma escolha,
apesar de nostálgica, melodia em tom menor.

A chuva fria e o vento tomam conta da cidade,
o mês é janeiro, mas parece novembro...
Um coração que pretende ter vinte e poucos anos,
é teimoso, não aprende, já passou dos cinqüenta,
acha que agüenta naufragar outra vez.

Um café bem quente, o cigarro entre os dedos,
cartas de tarô abertas em cima da mesa:
o mago de braços dados com a sacerdotisa
e o eremita a buscar uma cura para minha dor.
Entardecer é outra escolha que eu tive que fazer.

Janela entreaberta, anoitece na cidade,
o ruído de passos apressados lá fora,
imagino um moinho na beira de um rio,
imagino sementes trituradas de trigo...
Palavras enlouquecidas a procura de um tema.

O jeito das coisas, o rumo dos versos,
palavras acasaladas, miscigenadas aos sons,
um carinho absurdo em notas dissonantes,
melodias que tendem a falar de saudade.
Mais um ano que hoje se inicia e pouca coisa mudou.