NALDOVELHO

ESPAÇO DEDICADO A POESIA

terça-feira, novembro 28, 2006

CRISTAL LAPIDADO



NALDOVELHO

No rumo dos ventos, criei um desvio,
forjei corredeiras, lado esquerdo de um rio,
desci cordilheiras, naufraguei em teus braços,
soçobraram pedaços dos versos que eu faço.

No rumo das águas, rolei ribanceiras,
fiz tantas besteiras, parei por cansaço,
sagrei sentimentos paridos faz tempo,
lutei com moinhos, fui meu desatino.

Dormente de trilho, Maria Fumaça!
Sou pedra, sou filho das Minas Gerais,
cristal lapidado colhido sem pressa,
se toco ou espremo, queima demais.

Na dança do tempo, espalho sementes,
cigarro de palha, cachaça madura,
razão e loucura, pedaços de versos,
janelas abertas, liberto os meus ais.

E em noite de outono, viola ainda chora,
nostalgia que bate e me tira do sério,
sou farpa espetada, saudade que implora,
vez por outra ainda sangro e quero ir embora,

Dormente de trilho, Maria Fumaça!
Sou pedra, sou filho das Minas Gerais.
Cristal lapidado colhido sem pressa,
se toco ou espremo, queima demais.

domingo, novembro 26, 2006

CAMAFEU



NALDOVELHO

Face marcada pela marcha do tempo, pele queimada pelo sol e pelo vento, já não tão ereto, meio curvado, mãos grossas calejadas, olhar de quem por muitos mares navegou, muito viu e nunca se assombrou.

Assim era aquele homem, já beirando os sessenta, na beira do mar tecendo suas teias que por ser pescador chamava de rede, uma grande e interminável mandala. Cigarro de palha no canto da boca, quase sempre apagado, vez por outra um gole de aguardente, saliva grossa, já quase sem dentes, velho camafeu onde a vida gravou tantas histórias, até por isso, um bom prosador. De fala macia, maneirosa, sempre generosa, seu canto nos mostrava uma velha cantiga sobre a força dos ventos, sobre o rumo das águas, um canto de amor.

Uma vez nos contou sobre uma sereia, uma linda mulher que morava num rochedo bem próximo à arrebentação. Disse que quando a viu, se aproximou, se enfeitiçou com o seu canto e por paixão se escravizou. Porém por amor ao mar ela o libertou.

Quando contava esta história, seus olhos ficavam marejados de lágrimas. Velho camafeu, quanta saudade!

O seu nome era Alceu, Alceu que um dia já não faz muito tempo, num fim de tarde chuvoso, com mar revolto de açoite, numa mudança dos ventos, virou uma lembrança querida, água do mar carregou. Deve ter retornado ao rochedo, onde mora aquela sereia cujo nome ele nunca nos revelou.


QUANDO FORMOS MAIS JOVENS



NALDOVELHO

Quando formos mais jovens, talvez possamos ser mais audaciosos, tomara Deus menos tolos, certamente bem mais desbravadores pelas idas e vindas dos nossos descaminhos. Talvez possamos ser de novo inocentes, certamente menos incoerentes, provavelmente mais eloqüentes, amantes bem mais ardentes e não tenham dúvidas menos indecentes.

Quando formos mais jovens, teremos muito a experimentar. Navegar outros mares, conhecer outros lugares, dormir com a lua ao relento... Muita coragem para gastar! Seremos novamente fruto maduro, desses que se dão ao prazer do sabor e já não tão apressados ou impacientes possamos mitigar toda a sede, saciar toda a fome. Nossos erros já não serão tantos, nossa bagagem mais leve, nossos olhos verão mais longe e aí quem sabe possamos entender as dores que tanto afligem as pessoas. Nossos braços suportarão o mundo e nossas próprias dores serão bem mais suaves do que estas que hoje sentimos.

Quando formos... Mas ainda não somos, e hoje, não mais suportamos o esforço, e por ainda não sermos jovens tentamos em vão deter a marcha do tempo, enclausurar de vez o relógio na esperança de encontrar um mundo, onde a vida viva um eterno segundo, na certeza de encontrar a paz.

Pena que não tenhamos percebido o engano, pena que ainda hoje não saibamos a diferença entre a vida e a eterna existência. Pena que não tenhamos aprendido sobre a “infinitude” dos caminhos e estejamos tão presos, incompetentes que somos. Pena que não tenhamos descoberto o amor, pelo menos não, na forma correta de amar e que estejamos vivendo em busca de compreensão, sem que em momento algum tenhamos tentado compreender. É como se desejássemos um lar sem que o tenhamos construído, é como tentar colher sem nunca termos semeado. E ainda por sermos ainda tão viciados em só escutar o som da própria voz, continuemos a exigir coerência num mundo que nós mesmos construímos incoerente e que a cada instante teimamos em desrespeitar.

Quem sabe, um dia, ainda distante, consigamos aprender com a existência? E aí, atingida a maioridade possamos novamente ser jovens, caminhar revitalizados, só que sábios, plenos de luz, dignos da estrada que nos leva em Tua direção, dignos de sermos recebidos em Tua Morada.

sábado, novembro 25, 2006

QUANDO EU FOR DONO DO MEU TEMPO



NALDOVELHO

Quando eu for dono do meu tempo vou acordar todos os dias mais tarde e sempre na medida da preguiça por gosto, que é pra não me causar desconforto. Vou tomar café da manhã sem pressa, ler as notícias, ficar sempre bem informado das coisas que por aí acontecem e que por viver apressado, acabo tendo que ignorar.

Quando eu for dono do meu tempo vou caminhar pelos jardins da minha cidade, apreciar os pássaros em festa, as flores em animada conversa a exalar impunemente essências. E nas areias da praia que eu amo, organizar melhor o meu dia, sob as bênçãos das águas do mar.

Quando eu for dono do meu tempo vou escrever muitos poemas, se a inspiração ajudar, um romance, se não der, servem contos, histórias de uma vida de quem viveu aprisionada às horas, mas que nunca deixou de sonhar. Vou pintar muitos quadros, de todas as cores, em monocromáticos matizes, compor melodias, cantigas, choros, valsas e até um tango, bem visceral e profano, tipo Astor Piazzolla, nostálgico, bruxo e insano.

Quando eu for dono do meu tempo vou dedicar-me mais a quem amo e trazer um muito de ternura, a quem por tantos e tantos anos, ao superar perdas e danos, sempre esteve ao meu lado e me presenteou com um lar. Vou cuidar melhor da minha casa, vou abraçar e cultivar novos amigos e vou ter sempre uma palavra de carinho para com aqueles que eu consegui preservar.

Quando eu for dono do meu tempo vou querer anoitecer ao relento, tecendo teias ao vento com toda a poesia que eu tenho e finalmente realizar meu intento da lua poder namorar. Vou dormir todos os dias bem tarde, sem me incomodar com a nostalgia que arde, ou com a inquietude constante , pois foi ela que manteve viva a chama que brilha nos olhos do louco que ainda hoje existe lá dentro de mim.

Quando eu for dono do meu tempo, e espero que ainda haja tempo, vou fazer por merecer a ventura que a vida resolveu me ofertar.

PELAS RUAS DESERTAS



NALDOVELHO

Pelas ruas desertas,
madrugadas repletas
de poesia e insônia.
Pela janela do meu quarto,
mantida sempre entreaberta,
eu espreito um outono
de lágrimas ardidas
que secretamente eu choro
para ninguém poder notar.
Pelo som de um bolero,
melodia de enganos,
meus sonhos, meus planos.
Pela fumaça do cigarro
que teimosamente eu devoro
e o pulmão não agüenta,
qualquer dia explode,
ou quem sabe implode.
Pelas cordas do meu violão
que afinadas revelam
sentimentos e intenções.
Pelo telefone que toca
e tua voz me sufoca,
dá um aperto no peito,
tipo nó cego,
difícil de ser desfeito.
Por todas as coisas que eu sinto
e que em voz alta eu nego,
e só revelo em meus versos,
melhor então confessar:
teu nome é desassossego
e eu não consigo te esquecer.

INVERNO AQUI DENTRO



NALDOVELHO

Água que brota inquieta da fonte,
que jorra em meu quarto, inunda a cama
e faz corredeiras lá dentro de mim.
Vento macio que varre a cidade,
que leva pra longe as cinzas do outono
e deixa no ar nostalgia e abandono.
Nuvem cigana de chuva insistente,
transbordam as lágrimas assim descontentes,
parimento de versos que eu ouso escrever.
Notas dissonantes, harmonias estranhas,
melodia incontida, desentranhada profana,
cantigas, toadas que eu ouso compor.
Erva ardida, de sumo espremido,
remédio que eu tomo pras dores que eu temo,
dores de sentimentos... Alivia-me os ais!
Telas que eu pinto, profusos matizes,
paisagens geladas, solitárias, desertas,
revelam lembranças que eu nem sei precisar.
Madrugadas insones de saudades latentes.
Pensamentos confusos, difusos, insanos,
revelam escolhas, conseqüências, enganos.
Palavras que eu guardo preciosas comigo,
bagagens que eu levo, incertezas, castigo,
coisas cristalizadas que eu não consigo dissolver.
Amanhecer sonolento, nubladas as horas,
um café, um cigarro, não importa o tempo,
outono lá fora, inverno aqui dentro.

AMARGO



NALDOVELHO

Fico em silêncio remexendo em meus guardados, em minhas memórias, em minhas histórias. Luz do quarto apagada e um certo perfume toma conta do ambiente.

Olho pela janela, lá fora chove, chuva fina e impertinente. Aqui dentro a lágrima, teimosa e insistente.

Faz tempo mandei a saudade ir embora. De nada adiantou, ela não foi! Já não bebo mais, Martines e o que ficou foi o vazio... Vazio das tardes sonolentas.

Rádio e televisão desligados, um livro chato fechado sobre a mesa. O título? DA JANELA DO MEU QUARTO. O autor? Já não o reconheço! Provavelmente um romântico, um desses que o vazio desses dias calou.

Acendo um cigarro e o que eu trago é amargo... Melhor pintar um novo quadro, mais uma paisagem deserta, gélida e monocromática. Violão nem pensar! Os acordes teimam em me contrariar.

Daqui a pouco anoitece, vou para a janela do quarto, já não chove! Melhor parar de chorar.

Da casa vizinha, janela ao lado, o som de um piano incomoda e toma conta do ambiente. A mesma música de sempre: “eu sei que eu vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar”.

Temo que esta música nunca mais vá parar de tocar!

AS PLACAS



NALDOVELHO

As placas indicam
estrada segura,
ainda que escura,
com curvas fechadas,
estranhas lombadas,
moderação e cautela
para quem quer chegar.
As placas indicam
lugares distantes,
lembranças do ontem,
cidades fantasmas.
É proibido acostar!
Retornar, nem pensar!
As placas indicam
trilhas, atalhos,
melhor ter cuidado,
caminhos profanos
mostram-se insanos.
Melhor não ter pressa,
pois o que te interessa,
mesmo que tarde,
ainda há de chegar.

NOITES INSONES



NALDOVELHO

É lá pelas tantas, quase madrugada, quando insone eu viajo a procura de um colo e abusado invado sorrateiramente o teu quarto e ao te ver adormecida ao travesseiro espremida, sinto que o meu corpo vai explodir de prazer, ao ver o teu corpo, atrevido em seus contornos, de tocaia a me espreitar sob as grossas cobertas, respiração macia, qual fruta em doce delírio, que eu saboreio sempre e sempre com redobrado prazer.

E a cada movimento teu eu transpiro o meu doce tormento e desejo, e fico assim como embevecido por tanta e tamanha delicadeza, que eu procuro me mover em silencioso cio, tentando ser lento e preciso para não te acordar.

Chego mais perto indecente, deito ao teu lado e te toco tão suave e intensamente que então pareces sonhar. Lentamente afasto as cobertas, desnudo o teu peito tão branco e fico feito criança a acariciar-te as sardas, sinais, tuas marcas. E um leve roçar de dedos atrevidos no bico do seio, faz-te ofegante e as tuas coxas num roçar instigante, em minhas mãos que te exploram sedentas e permeiam teus lábios molhados em busca do teu cheiro e seiva, que brotam deste jeito abundantes por entre as pernas, já agora entrelaçadas às minhas trêmulas pernas, minha paixão e martírio.

És água, és fonte, és rio, a brotar de todas as bocas. Teu corpo suado em meu corpo, minha boca a sugar teus seios, minha língua a percorrer segredos, recantos, dobras e fendas e a te levar a um longo e prazeroso orgasmo, só pra escutar-te os gritos, gemidos, pois este é o meu maior prazer.

Não demora amanhece lá fora, a noite já não é mais um abrigo. Eu me levanto e te vejo enroscada, o lençol todo molhado, dormes um sonho inocente e nem sequer conheces meu rosto. Ainda bem que sabes meu nome, que é para que eu possa te escutar, quando insone, sussurrar em completo delírio, a pedir que eu volte, sorrateiro, toda a vez que eu queira, e possa, para te saciar sede e para que eu possa me alimentar do teu corpo, quê, sem que tu saibas ou percebas, já tem as minhas marcas e não há mais nada que se possa fazer.

TARDES



NALDOVELHO

Tardes fartas,
plenas de ventos.
Aqui fora e lá dentro,
águas revoltas,
inquietude tão solta...
Parece coisa à toa,
mas o pensamento voa
e não consegue mais pousar.

Tardes de outono,
tão plenas de incertezas,
de maré vazante na orla,
de rochas expostas, nuas,
coisa ardida, aspereza,
de saudade doida que aperta
e não adianta reclamar.
Tardes que eu tenho,
tão plenas de sombras...

Ao me olhar assim de soslaio
a noite encontrou um atalho
e nasceu lá dentro de mim.

Tardes...
Que pena!
É tarde...
Não dá mais pra voltar.

quinta-feira, novembro 23, 2006

DENTRO DOS SEUS OLHOS



NALDOVELHO

Dentro dos seus olhos
eu percebo camuflagens,
vestimentas, personagens
tatuados de coragem.
Um mistério, um sortilégio,
entranhadas cicatrizes,
um grito mudo, tanto tédio,
muita vontade de partir.
Dentro dos seus olhos
eu percebo estranhezas,
um bom bocado de tristeza,
muitas lágrimas abortadas,
um sorriso indulgente
pela dor que agora sente,
boa dose de ternura
por quem nada fez pelo porvir.
Dentro dos seus olhos
eu percebo muitos versos,
delicados e repletos,
sentimentos tão confessos,
um enigma, muitas dúvidas
e a certeza inquebrantável,
que apesar da dor sentida
é preciso prosseguir.

ATO DE CORAGEM



NALDOVELHO

Poesia é ato de coragem,
é dizer diferente aquilo que todo mundo sente.
É materializar paixões, idéias, sentimentos.
É dissolver coisas cristalizadas,
faz tempo dentro da gente.

Poesia é ato de verdade,
é revelar segredos camuflados no poema.
É cicatrizar feridas, estancar o sangue...
É transformar lágrima em verso,
visceral, pleno e confesso.

Poesia é cumplicidade,
é trato feito entre o homem e o poeta,
é embaraçar os fios do tempo,
é semear bons frutos pela vida
sem saber se vão ser colhidos depois.


CIRCENSE



NALDOVELHO

A corda bamba esticada,
uma sobrinha colorida,
me mantém equilibrado.
O elefante empacado
não anda nem desanda.
O tigre de bengala,
a leoa desdentada,
o trapezista que se lança
num vôo cego e arrojado.


Uma pirueta, um salto mortal,
o palhaço faz careta
divertindo a garotada.
A mulher que engole fogo,
pipoca, algodão doce.
A bailarina se contorce
ao som de um minueto
e o amor que eu sentia
não era muito, se acabou.


Já não sou uma criança
e a danada da esperança
foi embora com o circo.
Outros rumos, outra estrada,
e eu aqui sem paradeiro
a escutar o som de uma risada.


Um minuto de silêncio,
aqui jaz Seu Serafim,
poeta e domador,
abandonou vida de artista
por conta de um grande amor.
O nome dela: Eleonor,
mulata salseira, atrevida,
logo saltou de banda,
largou o pobre na lona,
arriado num beco escuro,
com acara cheia de cachaça
e uma dor que não tem fim.


Saudades dos saltimbancos
e da leoa banguela,
o nome dela: Florisbela.
Adorava escutar meus versos
e ronronava pedindo bis.


Já não tem mais brincadeira
e o espetáculo terminou,
quem quiser que conte outra,
pois o tempo desta prosa
escoou pelos meus dedos,
feito água fria e clara
de um pote de esperanças
que desastrado derramei.

ACORDA



NALDOVELHO

Acorda a corda
do violão que discorda

e se nega a ficar afinada,
harmonizada às outras cordas
e por tanta e insistente teimosia,
impede que eu faça a melodia
que a poesia precisa e pretende
para enaltecer em mim o amor.

Acorda o verso
que sonâmbulo se fez desconexo,

embaralhado dentro do tema,
a gargalhar na hora do pranto
e a ironizar com o desencanto,
pois não foi tão bom nem tanto,
melhor então que acabou!

Acorda a lágrima
que sonolenta entalou na garganta

sob o pretexto de matar-me a sede,
lágrima salgada e desencontrada,
só aumenta a secura que estou
e não revela o dor que ficou.

Acorda o sonho
que por instantes virou pesadelo,

de sombrias e insanas imagens,
sentimento transformado em miragem,
coisa sem sentido, bobagem,
histórias de um poeta bem tolo,
obsedado pelo desamor.


Acorda os olhos
e veja o que a vida ensina,

expulsa do quarto a neblina
e assim rebelado reafirma
que coração de poeta é mais forte
resiste ao desalento e a morte,
para que com raiva eu escreva um poema
de amor ao muito que me restou.

A MULHER QUE EU AMO



NALDOVELHO

A mulher que eu amo
tem nome de princesa
e até título de nobreza
conquistado na aspereza
que a vida costuma ofertar.

A mulher que eu amo
traz nas mãos muita magia,
é a razão da poesia
e é quem por amor me acaricia,
Protege-me como cria
e me ensina a caminhar.

A mulher que eu amo
é fonte de toda a ternura,
é luz que brilha em noite escura,
é sonho, é delírio, é loucura,
é antídoto para a amargura
que a solidão teima em mostrar.

A mulher que eu amo
me aquece nas noites de inverno,
me alimenta em seu colo macio,
me trata como um menino
que a todo instante se faz fugidio,
mas que fez do seu ser um lar.

A MULHER QUE EU NÃO MEREÇO



NALDOVELHO

A mulher que eu não mereço
tem os olhos verdes, plenos
e nos lábios grossos tenros
um sorriso abusado,
encharcado de veneno.
A mulher que eu não mereço
traz nas mãos muitos poemas,
rimas loucas e obscenas
que inquietas e urgentes,
assediam e assanham.
A mulher que eu não mereço
tem um jeito de menina,
um andar que alucina
e intumesce-me as entranhas
quando ouso o seu apreço.
A mulher que eu não mereço
tem a voz enrouquecida,
em sussurros me alicia
e entorpece as minhas pernas,
com que pernas hei de fugir?
A mulher que eu não mereço
tem o canto das sereias,
tem a luz da lua cheia
e seduz tecendo teias,
coisa igual eu nunca vi!
A mulher que eu não mereço
tem um trato com a magia,
faz feitiços noite e dia,
traz no corpo muitas prendas
e me chama de aprendiz.

quarta-feira, novembro 22, 2006

VERSOS PERENES



NALDOVELHO

Quando eu escuto,
no agitar incessante do vento,
o assobio inclemente lá fora
e percebo as folhas caídas
atingidas pelo outono que aflora,
percebo também na solidão do meu quarto
a espera enervante das horas
e complacentemente me aquieto e oro.
Peço a Deus que as minhas reminiscências
se mantenham vivas, ainda que latentes,
que as minhas lágrimas sejam discretas,
porém sempre presentes
e que mantenham o poeta vivo.
Peço também, que toda a espera
seja premiada por muitos poemas,
testemunhos dos meus sentimentos.

Quando escuto, em minha memória,
o dedilhar no piano a tanger cordas de enganos,
percebo que as notas imploram
por harmonias que soem urgentes,
numa melodia que se mostre a vertente
de um amor que sobreviveu ao tempo,
por mais forte que tenha sido o lamento,
pois só assim terá valido a pena
alquimizar em mim toda a dor.

E uma vez mais me aquieto e oro,
pedindo a Deus que preserve
do lado esquerdo do meu peito,
um coração capaz de se abrir
sem pudores ou constrangimentos.
Peço também que os meus passos,
não importa em que firmamento,
trilhem sempre caminhos completos
e que eu consiga preservar em meus versos,
a crença que tenho na vida
que sempre valerá a pena ser vivida,
e que eu possa sempre honrar o meu dom.

VERSOS PERPLEXOS



NALDOVELHO

Palavras raras, espremidas, descontentes,
vibram nervosas, reticentes...
A mesma mão que semeia o trigo,
contamina os rios e seus afluentes.
A mesma mão que acarinha o filho,
extermina as sementes da terra que chora.
A mesma mão que escreve poemas,
escava a trincheira que o protege agora.
Palavras tortas, expostas, contundentes.
entoam cânticos de guerra evidente.
A mesma mão que cura as feridas
empunha a espada que sangra a vida.
Versos perplexos, reflexivos, confessos,
desentranham das vísceras o poema que implora.
A mesma mão que abre o caminho,
deixa neles rastros de sangue e desatino.
O que foi feito da cantiga de amor que outrora
trazia tanto encantamento na voz de um trovador?
O que foi feito do sorriso criança
que alimentava os sonhos do pensador?
O que foi feito do poeta e de suas juras de amor?
Será que se calou a poesia pelo jugo do imperador?
Ou será que é sina do homem crescer através da dor?

terça-feira, novembro 21, 2006

CEIA A MEIA NOITE



NALDOVELHO

Sento-me à mesa e a comida já está servida. Todos em silêncio! Acho que rezando, cada um para o seu Deus. São tantos os Deuses, cada um tem o seu! E eu rezo também.

Agradeço pelo pão que agora eu vou comer, pelo dia que eu acabei de viver e por todas as coisas que eu ainda possuo. Agradeço pelo ano que acabou de passar, afinal, podia ter sido pior! Peço pelos tempos que vão chegar, pela espera de que nos aconteça o melhor e começo a comer. Olho em volta da mesa e estão todos comendo, comendo e falando, cada um com o seu prato e com um assunto, cada um com uma fome e num idioma diferente. Estranho! De repente lembrei da Torre de Babel.

Olho para o pão e lembro da sua carne, olho para o vinho e lembro do seu sangue. Engraçado, acabo de perder a fome! Acho que por medo de sentir na boca o seu gosto.

Peço licença, levanto da mesa, vou até a sacada e dou uma olhada no mundo. Acendo um cigarro, dou uma tragada, tempo de reflexão! Na sala as pessoas continuam comendo e falando, não consigo entender nada!

Olho de novo para as ruas, quanta gente festejando. Vejo milhões de luzes piscando, ou será que estão me picando?

Lembro-me de um corpo morto pregado na cruz... Hoje é dia trinta e um, quase primeiro, deveria ser um dia de alegria, de esperança, mas para mim está sendo de descobertas.

E a Torre de Babel cada vez mais alta, e as estrelas cada vez mais longe, e as pessoas continuam falando... Engraçado! Eu ainda tenho sede, muita sede!

Acho que eu estou ficando maluco, falando assim sozinho. Acho melhor entrar e me unir aos outros, pelo menos um copo d'água, se já não transformaram em sangue, eu devo encontrar.

A UM VELHO COMPANHEIRO



NALDOVELHO

Toda a vez que eu me aproximo da beira do abismo que eu cismo, sinto um frio na espinha e uma sensação de tontura, mãos em garras suadas e as pernas trêmulas, quase uma vertigem... E do fundo da verdade que temo, surge uma melodia estranha que faz com que se acenda a ferida e eu sangro. Sangro lágrimas ardidas que escorrem como espremidas, e que se transformam em versos a dissolver farpas doídas, coisas cristalizadas pelos desencontros da vida.

Toda a vez que eu me aproximo do abismo exercito a minha loucura, desafio minha própria ventura e imploro que não me sequem os versos, que não me cicatrizem as feridas, lembranças do que eu tanto quero.

Toda a vez que eu penso que posso caminhar assim impunemente, uma voz me alerta em sussurros que eu não tenha medo do escuro, que eu insista em abrir as portas, pois além do caminho nada importa e que eu devo acreditar no que eu tenho depositado em meu coração.

Toda a vez que eu me abraço com ternura, um velho peregrino me chama, só para dizer que segue os meus passos e que perdoa as coisas que eu faço, pois tem delas a compreensão.

A PROCURA DE UM TEMA



NALDOVELHO

Manhã de inverno, fim de inverno, o dia é terça, o mês é agosto. O jornal traz noticias que eu não quero mais ler. São as mesmas de sempre, nenhum novo alento, ninguém que anuncie que um novo tempo esteja aí, já faz tempo, tentando nos surpreender. Mudam os personagens, às vezes o cenário, mas a história não! É sempre a mesma. Uma ajeitada no texto em busca de novos substantivos, principalmente adjetivos... Mudam a roupagem de um mesmo contexto para que pareça novidade e pronto! É só publicar para que os mais desatentos, anestesiados, sedentos, possam se alimentar. Compreender não precisa! É só estar atualizado, globalizado, integrado ao novo milênio.

As novas notícias parecem carne passada, aparentemente fresquinha que o sulfito maquiou. É só verificar com cuidado para constatar o engano: pivetes, indigentes, assaltos, favela marginalizada que o traficante tomou; crianças delinqüentes, já bem cedo armadas, são soldados infames de uma guerra urbana que ninguém declarou.

A bala perdida sempre acha um inocente. Um carro roubado, passando apressado, uma rajada de balas, cinco corpos no chão. Acerto do tráfico, guerra de ponto, matar custa nada, nem precisa um motivo, quanta queima de arquivo! Foi por encomenda doutor! Só que por acidente, quem passava por perto, também tombou!

Prostitutas crianças tão cedo nas ruas, inocentes, quase nuas, prontas para o prazer de algum respeitável senhor, com família, com filhos e de aparente dignidade. Na realidade um desequilibrado que a sociedade acoitou, que quando surpreendido, foge, covarde e apressado para não ser exorcizado numa cadeia qualquer.

Seqüestros relâmpagos ao cidadão desarmado, indefeso, ultrajado e ao mesmo tempo culpado por ser tão ausente, por ser conivente com algum engravatado que ao povo pilhou. Votar custa nada! O voto comprado! Tem sempre um canalha se dizendo doutor.

O crime, o adultério, um marido enganado, às vezes um amante! Ainda se mata por amor! Melhor dizendo, desamor. E a justiça emperrada e as leis complicadas, Alvarás, Liminares. Cadê o bandido? Tem juiz na parada! Obra superfaturada! Se um prende, o outro, solta! A policia impotente se dizendo inocente, muitas vezes envolvida, mal remunerada, falida. Já nem sei quem é o bandido! Só sei o quanto somos desprotegidos... Em quem confiar?

E tem mais notícias chegando: a guerra latente, um atentado incoerente, crianças mortas dentro de uma escola! O orgulho de um governo, ou será desgoverno? Que até hoje não conseguiu se explicar, justificar o massacre. Segredo de Estado que ninguém revelou.

O fanatismo dos religiosos, sedentos de sangue, a escrever uma história de intolerância e de dor. E ainda tem gente que acredita em Cristo, em Maomé ou em Buda, pelo menos é o que dizem! De facções divergentes, matando e pilhando o opositor.

Racismo ainda é uma chaga tão presente em nossos dias. Quantas raças irmãs, excluídas, discriminadas, marginalizadas, a buscar um espaço. Muitos vivem num buraco, muitos morrem de fome, muitos não têm nem um nome.

Um continente infectado, olha a AIDS, cuidado! A igreja incoerente, enclausurada em seus templos, preservativo é pecado! Como conter o instinto? Como impedir um sujeito de desejar a mulher do lado e ao sair contaminado, contaminar um outro coitado? Quantas coisas enfiadas na cabeça tão confusa de um pobre pecador.

E vai anoitecendo, e continua o dilema: à procura de um tema para escrever um poema, só acho temas amargos... Vou para a janela do quarto e é noite de lua cheia, às vezes ela é tão doce! Quem sabe, ela me inspire? Quem sabe eu possa escrever alguma história de amor, dessas com final feliz? Quem sabe assim apaziguar a minha dor? Esse tipo de história faz sempre sucesso, tem tanta gente carente, solitária, em busca do amor. Quem sabe um dia eu possa virar escritor? Pois estou ficando velho e cansado, correndo o risco de ficar ultrapassado, e aí, de não ser mais aceito pelo mercado, e isto com cinqüenta e cinco anos, considerado um velho, até mesmo inadequado por aqueles que só andam apressados e pensam como um computador.

A MULHER QUE EU NÃO MEREÇO



NALDOVELHO

Como ter a pretensão de ser a metade de alguém que se mostra assim tão inteira, absolutamente plena? Pois, ao mesmo tempo, que tu te apresentas tal qual brisa suave, tipo fresca aragem, surges também tempestade a modificar a paisagem, só para desentranhar de mim boas sementes, coisas preciosas, segredos, presentes. Se de repente eu me quedo em silêncio, tipo atormentada calmaria, surges então pé de vento a me levar noite adentro através de madrugadas molhadas e a me deixar beber em teu colo todo o orvalho que a noite foi capaz de trazer, só para matar minha sede e me alimentar de prazer.

Como ter a pretensão de ser a metade de um foco de luz tão intenso que ilumina e cura as feridas, e que descortina novas sendas, caminhos que eu nunca fui capaz de perceber? Se és chama branda e suave que hoje me aquece do frio, se és a graça que eu preciso e confio para restaurar no poeta a alegria de viver, como eu poderia pretender?

Não... Não há como ser a tua metade, no máximo uma fração menor anexada ao teu ser. Seria então apenas um amante, que fosse, porém, sem nós, sem algemas, para poder descobrir em ti a ternura, para poder enfim chorar sem vergonhas, não pela dor ou desencantos tamanhos, mas por pura sensibilidade à beleza que eu sei, um dia eu vou te merecer.

E aí verias, num meu sorriso a verdade de um homem liberto e harmonizado, que por opção, a ti aprisionado, pois bendita a mulher que me atravessou o caminho, só para ensinar umas coisinhas, essenciais para que eu possa crescer.

segunda-feira, novembro 20, 2006

ALUCINAÇÃO



NALDOVELHO

Olhos castanhos claros, amendoados; cabelos lisos, finos, bem cuidados. Lábios grossos, sorriso aberto e avassalador. Meu Deus! Acho que só pode ser assombração, ou então uma miragem. E olha que faz tempo não bebo, não cheiro e não aperto um bagulho, para ficar assim deste jeito, vendo coisas estranhas, imagens sem nexo, alucinações!

Melhor desviar o olhar, vai que ela me reconhece! O que falar? Melhor tomar logo o ônibus, ainda que seja o errado, qualquer direção serve, só não posso ficar parado a mercê deste delírio, de pernas trêmulas, enraizadas. Parece que o chão se abriu e eu fui transformado em poste. Será que ela me devora? Será que ela vai embora? Tomara!

Quem sabe ela não volta pros longes? Ou quem sabe não retorna ao passado? E o ônibus que não chega... E se ela tomar a mesma condução? E se ela sentar ao meu lado?

Escutar novamente a sua voz, roçar braço com braço, perna com perna. E o seu perfume? Será que ainda usa o mesmo? Será que eu consigo sobreviver? Olhar dentro dos seus olhos e resistir ao desejo de dizer que eu ainda...

Melhor não! Melhor não fazer esta viagem e parar de ficar pensando bobagens, voltar para casa depressa e retornar à calmaria, ficar escrevendo poesia, um conto, uma prosa, sei lá! Qualquer coisa que acalme e me faça esquecer que a saudade que ela deixou não tem cura e dói até não mais poder.

A MULHER DOS MEUS SONHOS



NALDOVELHO

A mulher dos meus sonhos
tece teias em volta da minha cama
e afirma que esse é um direito
que ninguém vai lhe tirar.
E enquanto tece malhas,
redes, armadilhas,
canta o canto das sereias
e diz que é pra me proteger.

A mulher dos meus sonhos
escreve poemas sem rimas,
palavras fortes em versos,
confessadamente complexos
e diz que a vida assim nos ensina.

A mulher dos meus sonhos
tem a adaga suja de sangue
e diz que está sempre com fome,
pronta pra me devorar.

A mulher dos meus sonhos
tem gosto de fruta ardida,
tem pele morena e curtida,
de tantas e tantas batalhas,
por saques, por prendas, espólios,
e eu, misto de tolo e insano,
prisioneiro num sonho estranho,
peço a Deus o privilégio
de ali me eternizar.

A DOR QUE EU TENHO




NALDOVELHO

As horas que passam, tão lentos os dias.
Vidraça embaçada, a chuva tão fria.
Respiração afrontada denuncia o cansaço.
O peso dos anos e dos muitos enganos.
A pele ainda é fina, esgotaram-se os planos.
As cicatrizes incomodam, medalhas que eu trago,
pelas muitas batalhas e pelas poucas vitórias.
Alguns raros poemas decifram dilemas
e nas minhas entranhas sobrevive um teorema,
equação tão estranha a revelar uma incógnita,
tipo, decifra-me ou te devoro!
Infinitas escolhas a aumentar meu desânimo.
A chuva ainda é fria e a cidade cinzenta,
molhada e sonolenta, como o passar das horas,
das horas que eu temo...
E a incógnita prevalece na inquietude que eu tenho.
Muitos poemas, guardados, calados,
revelam a dor que eu trago comigo:
dor de poeta que se fez solitário,
dor de criança que perdeu a inocência,
dor de um homem que não venceu os seus medos
e que sabe que ainda é muito pouca
a bagagem que conseguiu acumular.

DE DIA OU DE NOITE



NALDOVELHO

De dia ou de noite,
na rua ou em casa,
sentindo mais forte
o gosto de sangue,
sentindo mais forte
o cheiro da morte.
De dia ou de noite,
na sala ou no quarto,
o grito espetado
qual farpa afiada,
a vida escoando,
fugindo de nós.
De dia ou de noite,
a fome e a sede,
o punho fechado,
a mão levantada,
a ameaça estampada,
o ataque eminente,
o pranto da terra,
o canto de guerra,
o medo, a tocaia,
cada minuto é o último,
respirar eu preciso,
ainda sou um sobrevivente.
De dia ou de noite,
na cidade ou no campo,
a revolta crescendo,
o grito explodindo,
o cheiro de azedo,
o aço cortando,
o fogo queimando
a face de um povo,
de um povo sofrido
na luta eterna
entre o bem e o mal.

CRÔNICA DO ABSURDO



NALDOVELHO

Madrugada de segunda feira, quase três horas da manhã e o silêncio da noite é repentinamente interrompido por gritos desesperados, em súplica inútil, a pedir clemência num desfecho presumível e tristemente rotineiro nestes nossos dias. Três tiros, mais gritos e desta feita de uma mulher, mais um tiro e o silêncio. Barulho de carros, que a toda velocidade se afastam do local.

Da janela do meu quarto eu nada vejo. Nem uma viva alma na rua, janelas e portas fechadas, nem os cachorros latem. Nenhum curioso em busca de notícias, nenhuma luz se acende, nada! É como se nada tivesse acontecido.

Manhã de segunda, seis horas da manhã, as pessoas começam a fazer o seu trajeto, alguns para o trabalho, outros levando os seus filhos para escola, rotina normal do dia a dia de uma cidade. Na calçada de uma rua transversal, apenas uma poça de sangue a testemunhar o triste evento. As pessoas que passam fingem que nada vêem, nenhum comentário, nenhuma pergunta... É como se um pacto pesado de silêncio tivesse sido estabelecido, nada é mais saudável do que: nada vi, nada escutei, nada falo. Crônica do absurdo, onde a vida humana passou a ser coisa à toa e sem valor, nada que valha a pena arriscar. Só que aqueles gritos permanecem no ar, só que os estampidos também. E a poça de sangue? Certamente um dos vizinhos, ao limpar a calçada da frente da sua casa lavou.

Lembro de Goethe: "SE CADA UM DE NÓS LIMPASSEMOS AS CALÇADAS DA FRENTE DAS NOSSAS CASAS, TODAS AS CALÇADAS DO MUNDO ESTARÃO LIMPAS". Será? Sei não! Como apagar dos meus ouvidos os gritos e da minha alma a sensação de desespero deixada no ar? Como acreditar não ter ouvido quatro tiros? Como esquecer ter sentido o cheiro de sangue naquela calçada ao passar? Tem certas coisas que por mais que limpemos e lavemos continuam sempre presentes no ar.

QUERIA PODER PINTAR MAIS UM QUADRO



NALDOVELHO

Palavras soltas, loucas, roucas,
em versos feridos, paridos espremidos.
Frases estranhas arranham as entranhas
e ecoam ardidas, contidas, doídas,
abrindo feridas para o resto da vida.
Lágrimas reclusas, choradas pra dentro,
denunciam querências e constrangimentos,
um quero e não devo, ainda te espero,
um ainda te amo, apesar dos enganos.
Um quê de feitiço, não seja por isto!
Lembranças dos dias de encanto e magia,
dos meus vinte anos e dos muitos poemas
e eu os mantenho intocados, no armário;
palavras aprisionadas em versos profusos.
Chegou o inverno, faz frio e chove,
o teu telefone não atende o meu grito
e quando atende... lamento é engano!
Ainda guardo a lágrima chorada pra dentro,
cristalizada na memória, fossilizada no tempo.
Queria poder esquecer o teu cheiro,
queria poder encontrar o remédio,
queria poder deixar o cigarro,
queria poder pintar mais um quadro,
um que retratasse o teu sorriso suave,
um que te aprisionasse para sempre ao meu lado.

UM TEMPO PARA O AMOR



NALDOVELHO

Conceda-me um tempo
onde eu possa estancar o pranto
e possa brindar o encanto
do romance que eu não vivi,
por conta da dor de tê-la visto partir,
antes que pudesse chorar meus versos
em tantos outros poemas
de elegia ao amor derradeiro
que o poeta sonhou por inteiro,
mas que por tamanha inquietude
de dentro de suas entranhas,
não conseguiu fazer emergir.
Conceda-me um tempo
onde a dor não se perpetue em nós,
onde não hajam feridas, nem cortes,
e a solidão se faça ausente,
para que as escolhas sejam, sempre e somente,
as de consolidar em nós o amor que insiste
em sobreviver a tudo e a todos.
Conceda-me um tempo
e que seja um delicado momento
de música suave e ambiente,
de água de cheiro entranhada
por todos os cantos e lados,
de lua cheia e exibida
a iluminar nossos corpos,
deitados, enlaçados,
esquecidos e eternizados.
Conceda-me um tempo
para que eu possa expor meus guardados,
e ao sagrar no teu corpo um abrigo,

possa então encontrar a paz.

sábado, novembro 18, 2006

O NOSSO ACESSO SE FAZ ENTRE OS AIS



NALDOVELHO

Pelas escadarias, umbrais, catedrais,
o nosso acesso se faz entre os ais.
Um rito antigo, estranho, e aflito,
permanece aceso nas crenças que temos,
por vias sacras, infinitas, terrenas,
acidentadas escolhas, tortuosas, tão plenas.

Velas acesas iluminam, contritas,
os passos que damos, esfregas, conflitos,
vielas, ladeiras, passagens estreitas,
o lapidar incessante através do atrito.
E por todos os cantos a chama nos clama,
é a luz que nós temos que nos une e irmana.

Teu corpo ainda hoje sofre e padece,
por marcas, por chagas, expostas ao tempo,
por todas as dores que gritam urgentes,
por todos os erros que cremos latentes,
escolhas erradas, labirintos que erguemos,
pela falta em nós do amor que queremos.

Teu corpo ainda hoje sofre e padece,
apesar do pranto dos que oram e perecem,
a cruz que carregas é a esperança que cresce.
No muro um lamento banhado de sangue,
o ódio estampado nos olhos dos homens,
e um cheiro de pólvora toma conta do ar.

Teu corpo ainda hoje sofre e padece,
pela dor daqueles que não te conhecem,
pelos pedaços, estilhaços, encharcados de sangue,
pelas portas dos templos que permanecem fechadas,
por mais que eu tente, impedem-me o acesso,
só me resta orar pelos filhos de Deus.

A cruz que eu carrego fere-me os ombros.
Pesada é a dor que explode profana
e os templos erguidos mantém-se ungidos,
as portas trancadas a impedir-nos o abrigo
e as lágrimas rolando na face de Deus.
É o Pai que implora pela existência dos seus!


sexta-feira, novembro 17, 2006

NA TERRA DOS SONHOS



NALDOVELHO

Na terra dos sonhos têm jambo e amora,
sapoti bem docinho, tem também carambola,
passarinho no ninho, mas não tem atiradeira!

No quintal do vizinho tem manga espada,
e tem carlotinha, e goiaba vermelha,
pitanga no mato, mas tem carrapicho!
Levei um bom tombo e por pura bobeira,
melhor ir pra casa, cuidar do joelho
senão a vó briga e pode inflamar.

Na terra dos sonhos têm espigas de milho,
galinha em terreiro e casinha de pombo,
quintal com balanço e tem bica no tanque,
e tem ping e pong e pique de esconde,
tem bola de gude e pião com fieira,
tem racha na rua, vidraça quebrada;
vou logo pra casa tomar um bom banho,
depois ir pra esquina ou pra casa do Lula,
lá tem mais brincadeira e a mãe dele não briga,
só não quer palavrão!

Na terra dos sonhos tem a vizinha do lado,
ficar escondido num beco imprensado,
um sacrifício danado pra ver de calcinha...
-Moleque safado, vou contar pra sua mãe!

Na terra dos sonhos têm noites de estrelas,
terreno baldio, quermesse e fogueira,
tem dança de roda e casamento caipira,
e em volta da mesa vovó faz a festa,
batata em braseiro, pipoca e melado,
tem olho de sogra e tem brigadeiro,
algodão doce e suspiro.

Na terra dos sonhos têm tantas histórias,
guardados, memórias, muita brincadeira, mas...
Está quase na hora e eu tenho que ir embora,
daqui a pouco amanhece e eu preciso acordar.

POESIA EM RECESSO



NALDOVELHO

Na porta da frente: rastros,
vestígios de passos, sinais evidentes,
tentativas frustradas, tranqüilidade aparente,
um ramalhete de flores depositado num canto
e um aviso ostensivo: favor não perturbar!
Na porta ao lado: silêncio,
fechadura emperrada, inquietude, loucura,
diferentes escolhas, algumas erradas.
Um vaso de plantas, sob o vaso uma chave
e um aviso pendurado: saí, mas volto já.
Na frente da casa: muro de pedras tão cheias de limo,
na caixa do correio, correspondência lacrada,
faz tempo entregue, simplesmente esquecida.
Na casa das coisas: lembranças doídas...
Faz tempo eu evito mexer nos guardados,
faz tempo eu não deixo brotarem os versos.
Poesia em recesso, calmaria, sossego, assim eu proponho
e um aviso enorme pendurada no portão:
cão feroz te aguarda, melhor não ousar.

É MUITO TARDE...



NALDOVELHO

Percebo a chama que alimenta o drama,
refaço os laços, os traços, os passos,
remexo com cuidado, objetos, guardados,
pedaços de quartzo que ainda brilham,
pequenos adornos, jóias, contornos,
alguns poucos retratos amarelados pelo tempo,
muitos segredos, vivências, enredos,
alguns mal resolvidos ou inacabados,
lágrimas reprimidas choradas pra dentro,
dores não paridas, cristalizadas que estão.

Percebo a distância que assola meus dias,
percebo o silêncio no qual eu me abrigo,
releio algumas cartas, romances antigos,
descubro que a saudade, ainda hoje, mora comigo,
divide a minha cama e às vezes reclama,
necessita mais espaço, pretende crescer.

Descubro alguns poemas no fundo de uma caixa,
lirismo engavetado, faz tempo não ouso
permitir novos carinhos, escolhas, caminhos,
deixar que coração se liberte da razão.

Percebo a janela mantida entreaberta,
e um vento forasteiro a sacudir as cortinas,
perfume de alfazema a invadir o meu quarto,
e a lua por vingança, não responde ao meu chamado,
diz que é muito tarde, precisa amanhecer.

CIDADE DOS ANJOS



NALDOVELHO

Portas fechadas, ruas desertas,
nenhuma conversa, janela entreaberta,
silêncio inquietante em quarto minguante
e o telefone se toca, desculpe, é engano!

Cidade vazia, distante e perversa,
sobrou seu perfume e um livro estranho.

Cidade dos anjos, caídos, sem sonhos,
de asas quebradas não podem voar.

Sobrou um poema de versos profanos
e na madrugada vazia de planos
um bolero arrastado, um tango e um blues,
avisam que o dia ainda custa a chegar.

E mais uma dose de pura aguardente...
A sede que eu tenho já faz tantos anos,
cicatrizes que trago, a maioria latentes,
algumas ardidas ainda sangram se toco,
outras antigas exibidas nos olhos,
vez por outra ainda choram
se me ponho a lembrar
.

quinta-feira, novembro 16, 2006

AINDA QUE SEM SENTIDO



NALDOVELHO

Um laço, um nó, um embaraço,
um emaranhado de linhas largadas
num canto de um quarto.
Perdi o fio faz tempo, só preservei o pavio,
ainda que sem sentido,
pois até a pólvora que eu tinha
o vento soprou e levou.
Um aglomerado de coisas,
entre elas papeis rabiscados,
esboços de imagens, bobagens,
versos doídos, saudades.
Guardei também muitos discos,
apinhados num canto da casa.
Ainda que sem sentido,
pois até a vitrola que eu tinha
a danada da vida quebrou.
Um trinco, um cadeado emperrado,
a porta do quarto, trancada,
móveis e utensílios sem uso,
poeira, ferrugem, passado.
No quintal uma velha goiabeira,
um pé de amora e um balanço...
Ainda que sem sentido,
pois até a criança que eu tinha
o tempo inclemente matou.